quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Escola Nômade

Lá em São Paulo, um grupo teceu um ponto de conjunção de intensidades que despontam, desconjuntam, um local de encontro...

"A Escola Nômade de Filosofia é um movimento de pensamento livre, desvinculado de qualquer institucionalidade, seja de princípio racional, moral ou religioso. É um movimento que apreende o pensar como potência de acontecimento e criação, livre de qualquer fundação pela Forma."

http://www.escolanomade.org/

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ele estava tão perdido quanto ela, ele olhava para o teto procurando bolinhas de papel, chicletes e até aquelas assinaturas de casal com um coração em volta, sem dúvida estava perdido.Ela olhava para frente, na direção da porta que estava completamente escancarada, mas não procurava nada, estava à espera de alguma coisa, alguém que a levasse daquela sala lá para onde alqueles passáros estavam indo à minutos atrás. Alguém aí duvida que ela estava perdida?
A aula terminou e ele saiu apressado como se quisesse respirar lá fora, água, cigarro, toxinas. Ela permaneceu pra conversar com a professora, data, trabalho, entrega. Ele voltou apé para casa, cantava caetano, baixinho. Ela foi pra casa de carro, escutava beatles, bem baixinho. Depois do jantar ela foi procurar o controle da tv e ele fuçava os bolsos atrás de um isqueiro. Antes de dormir ele deitou-se para ler Caio Fernando e sem saber porque, pensou nela, acendeu um cigarro e ficou fazendo bolinhas de fumaça, acabou dormindo com o cigarro aceso. Ela deitou-se e ligou a tv, sempre dormia assim, hoje porém, sem querer pensou nele, trocou de canal e o programa já havia voltado dos comerciais, acabou dormindo com a tv ligada. Dormindo, longe das distrações urbanas, dos vicíos, um do outro, acabam se encontrando.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

MAYA DEREN - THE MOTHER OF ILUSION


Maya Deren é considerada a mãe do cinema experimental. Foi uma das pioneiras do underground americano, construindo uma filmografia de pura vanguarda cinematográfica. Seus filmes feitos nas décadas de 40 e 50 ainda são extremamente atuais e merecem sempre uma revisitação por quem trabalha ou deseja trabalhar com cinema. A obra de Maya Deren é essencial para se compreender melhor a sétima arte.
Eleonora Derenkowsky nasceu em 1917, ano da revolução russa, em Kiev, Ucrânia. Sua família emigrou para os Estados Unidos fugindo da ameaça do anti-semitismo, fixando residência em Syracuse, Nova York , quando ela tinha cinco anos de idade. Deren foi jornalista, escritora, ativista social, cineasta, atriz e praticante da religião vodu.
Maya Deren não só dirigiu como atuou em vários de seus filmes. No mesmo ano de 44 realiza At Land ("Na Terra"). Neste filme que subverte a idéia de tempo e espaço, podemos ver a figura de Deren caminhando numa praia e de um instante para outro em um campo, para, em seguida, no mesmo trajeto, aparecer rastejando em cima de uma mesa imensa onde há pessoas formalmente jantando e conversando sem ao menos notá-la (uma crítica à miopia da civilização). Ela parece não se mover, em vez disso o que se move são os lugares. Uma quebra radical com o realismo narrativo. No ano seguinte filma A study in choreography for camera ("Um estudo coreográfico para a câmera") onde o movimento da dança cria uma geografia nunca vista. Com sua Bolex 16 mm Deren explora os movimentos de Talley Beattey. Com a virada do pé do bailarino, numa rotação de 360 graus da câmera, ele pode vislumbrar lugares distantes, o interior de um museu, uma floresta, um pátio. A diretora trabalha com o potencial de transcendência da dança e do ritual, a estilização do movimento confere dimensão ritual ao movimento funcional. Maya Deren é uma pioneira na adaptação da dança para a câmera, fundiu as duas linguagens com extrema inteligência. Seus filmes por vezes lembram verdadeiros balés ritualísticos de imagens oníricas e tempo despedaçado.

Filmografia

The Witch’s cradle ("Berço das bruxas") - 1943 (inacabado)
Meshes of the afternoon ("Tramas do entardecer") - 1943
At Land ("Na Terra") – 1944
A study in choreography for camera ("Um estudo coreográfico para a câmera") - 1945
Ritual in transfigured time ("Ritual no tempo transfigurado") - 1946
Meditation on violence ("Meditação sobre a violência") - 1948
Ensemble for somnambulists - 1951 (inédito)Medusa - 1949 (inacabado)
The Very eye of night ("O verdadeiro olho da noite") - 1955Divine Horsemen: The living Gods of Haiti ("Divine Horsemen: Os deuses vivos do Haiti") - 1955 (finalizado por Teiji Ito)

Filmes sobre Maya Deren:

Invocation: Maya Deren - Jo Ann Kaplan – 1987
Im spiegel der Maya Deren ("No espelho de Maya Deren") - Martina Kudlácek – 2001

domingo, 12 de outubro de 2008

Hoje bateu na tampa da mesa pedindo silêncio e perguntou pro amanhã:
- Amanhã, vai fazer isso ontem?
No que o ontem respondeu:
- Fiz isso amanhã, professor!
- Pois levará um positivo, ontem. Vai, antes é pra agora!
- Antes não, professor, depois.
- Oh, sempre confundo..., o antes é o mais encurvadinho. Não é?
- Quase todos trocam. Liga não!
- Tento. Mas, vâmo que o foi já vai, todos. Até o sinal do final!
- Pô, professor libera aí!?
- Libero não.
Uóóóóó.
Retirado do livro de Allen Ginsberg “Uivo – Kaddish e outros poemas”, publicado pela L&PM, traduzido por Cláudio Willer. O texto aparece aqui sem o formato que aparece no livro por causa da limitação do blog que formata como ele quer. Publiquemos assim mesmo.

Nota:
Salmo Mágico, a Resposta & O Fim registram as visões experimentadas depois de tomar Ayahuasca, uma poção espiritual do Amazonas. A mensagem é: Alargar a área da consciência.
- A. G.

Salmo mágico

Porque o mundo está à beira do abismo e "ninguém sabe o que
virá depois
Oh Fantasma que minha mente persegue de ano para ano desce
do céu para esta carne trêmula
colhe meu olho fugitivo no vasto Raio que não conhece limites –
Inseparável - Mestre
Gigante fora do tempo com todas as suas folhas caindo - Gênio
do Universo - Mágico do Nada onde nuvens vermelhas
aparecem -
Indizível Rei das rodovias que se foram - Ininteligível Cavalo
saltando fora do sepulcro - Poente sobre a grande Cordi-
lheira e inseto – Cupim –
Lamentoso - Riso sem boca, Coração que nunca teve carne para
morrer - Promessa que não foi feita - Consolador, cujo
sangue arde em um milhão de animais feridos
Oh Misericórdia, Destruidor do Mundo, Oh Misericórdia, Cria-
dor das Ilusões Acalentadas, Oh Misericórdia, arrulho ca-
cofônico da boca quente, Vem,
invade meu corpo com o sexo de Deus, sufoca minhas narinas
com a infinita carícia da corrupção,
transfigura-me em vermes viscosos de pura transcendência sem-
sorial, ainda estou vivo,
grasna minha voz com o mais feio que a realidade, um tomate
psíquico falando-Te por milhões de bocas,

Alma minha com miríades de línguas, Monstro ou Anjo, Aman-
te que vem foder-me para sempre - véu branco do Polvo
sem Olhos -
Cu do Universo no qual desapareço - Mão Elástica que falou
com Crane - Música que toca na vitrola dos anos vinda
de outro Milênio - Ouvido dos edifícios de NY
Aquilo em que acredito - que vi - procurei incessantemente na
folha cachorro olho - sempre culpa, falta, - o que me faz
pensar -
Desejo que me criou, Desejo que escondo no meu corpo, Desejo
que todo Homem conhece Morte, Desejo ultrapassando o
mundo Babilônico possível
que faz minha carne sacudir-se em orgasmos do Teu Nome que
não conheço nunca conseguirei nunca dizer -
Dizer à Humanidade para dizer que o grande sino toca um tom
dourado nos balcões de ferro em cada milhão de universos,
eu sou Teu profeta volta para casa para este mundo para gritar
um insuportável Nome pelo odioso sexto dos meus 5 sen-
tidos
que conhece Tua mão em seu falo invisível, coberta pelos bulbos
elétricos da morte -
Paz, Solucionador onde embaralho ilusões, vagina de Boca Mole
que entra no meu cérebro por cima, Pomba da Arca com
um ramo de Morte.

Enlouquece-me, Deus estou pronto para a desintegração da
minha mente, desgraça-me no olho da terra,
ataca meu coração cabeludo come meu caralho Invisível coaxar
do sapo da morte salta em núm matilha de pesados cães
salivando luz,
devora meu cérebro fluxo Uno de interminável consciência, te-
nho medo da tua promessa devo fazer que minha oração
grite no medo -
Desce Oh Luz Criador & Devorador da Humanidade, arrebenta o
mundo na sua loucura de bombas e morticínio,
Vulcões de carne sobre Londres, em Paris uma chuva de olhos
caminhões carregados de corações de anjos para lambuzar
as paredes do Kremlin - a caveira de luz para Nova York -
miríade de pés recobertos de jóias nos terraços de Pequim –
véus de gás elétrico baixando sobre a Índia - cidades de
Bactéria invadindo o cérebro - a Alma escapando para as
ondulantes bocas de borracha do Paraíso -
Este é o Grande Chamado, esta é a Toxina da Guerra Eterna,
este é o grito da Mente assassinada na Nebulosa,
este é o Sino Dourado da Igreja que nunca existiu, este é o Bum
no coração do raio do sol, esta é a trombeta do Verme na
Morte,
Apelo do agarrão castrado sem mãos Doação da semente dou-
rada do futuro pelo terremoto & vulcão do mundo -
Sepulta meus pés sob os Andes, esparrama meus miolos sobre a
Esfinge, hasteia núnha barba e cabelo no Empire State
Building,
cobre minha barriga com mãos de musgo, enche meus ouvidos
com teu clarão, cega-me com arco-íris proféticos
Que eu prove finalmente a merda de Ser, que eu toque Teus Ge-
nitais na palmeira,
que o vasto Raio do Futuro entre pela minha boca para fazer
soar Tua Criação Eternamente Não-nascida, Oh beleza
invisível para meu Século!
que minha oração ultrapasse minha compreensão, que eu depo-
site minha vaidade a Teus pés, que eu não mais tema o
Julgamento de Allen neste mundo
nascido em Newark chegado para a Eternidade em Nova York
chorando novamente no Peru pela definitiva Língua para
salmodiar o Indisível,
que eu ultrapasse o desejo de transcendência e entre nas calmas
águas do universo
que eu cavalgue esta onda, não mais eternamente afogado na
torrente da núnha imaginação
que eu não seja assassinado pela minha própria doida magia, cri-
me este a ser punido nos piedosos cárceres da Morte,
homens entendei minha fala fora de seus próprios corações

turcos, ajudem-me os profetas com a Proclamação,
que os Serafms aclamem Teu Nome, Tu subitamente em uma
imensa Boca do Universo fazendo a carne responder.


1960


A resposta

Deus responde com minha condenação!
esta poesia apagada do lenho ardente
minhas mentiras respondidas pelo verme no meu ouvido
minha visão pela mão que cai sobre meus olhos para co-
bri-los

diante da visão do meu


esqueleto
- meu anseio de ser Deus pela trêmula carne barbada do maxilar
que cobre meu crânio como a pele de um monstro
Estômago vomitando a videira da alma, cadáver no
assoalho de uma cabana de bambu, carne do corpo
rastejando
rumo a seu pesadelo do destino que cresce no
meu cérebro
O barulho do estrondo da criação adorando seu Carrasco, o
salto
dos pássaros para o Infinito, latidos como o
som
do vômito no ar, sapos coaxando Morte nas árvores
eu sou um Serafim e não sei se vou para dentro do Vazio
eu sou um homem e não sei se vou para dentro da Morte –
Cristo Cristo pobre desesperançado
alçado à Cruz entre as Dimensões
para ver o Sempre-Incognoscível!

um som de gongo morto treme por toda a minha carne e um
imenso Ser entra no meu
cérebro vindo do longe que vive para sempre
Nada mais além da Presença poderosa demais para registrar!
a Presença

na Morte, diante da qual estou indefeso
transforma-me de Allen em uma caveira
Velho Caolho dos sonhos dos quais não acordo a não ser morto
mãos puxadas para a escuridão por uma horrenda Mão
- cego contorcer-se do verme, cortado - o arado
é o próprio Deus
Que monstruoso baile da escuridão anterior ao universo
volta para visitar-me como um comando cego!
e possa eu apagar esta consciência, fugir de volta
para o amor de Nova York e o farei
Pobre lamentável Cristo com medo da predita Cruz,
. Imortal ­
Fugir, mas não para sempre - a Presença virá, a hora
chegará, uma estranha verdade penetra o universo, a morte
mostra seu Ser como &fites
e eu me desesperarei por ter esquecido! esquecido! a volta
ao meu destino,
para morrer disso ­-
O que é sagrado quando a Coisa é todo o universo?
rasteja em cada alma como um órgão de vampiro
cantando
atrás das nuvens iluminadas pela lua­ -
pobre criatura vem agachada
sob as estrelas barbudas num campo negro no Peru
para depositar minha carga - morrerei de horror de
morrer!
Nem diques nem pirâmides, mas a morte, e devemos nos prepa-­
rar para essa
nudez, pobres ossos sugados até ressecarem por Sua
longa boca
de formigas e vento, & nossas almas assassinadas
para preparar Sua Perfeição!
O momento chegou, Ele fez Sua vontade ser revelada para
sempre
e nenhuma fuga para o velho Ser além das estrelas não irá
chegar ao mesmo escuro porto oscilante
de insuportável música
Nenhum refúgio no Eu, que está em chamas
nem no Mundo que também é Seu para ser
bombardeado & Devorado!
Reconhece Seu poder! Larga
minhas mãos - minha atemorizada caveira
- pois eu havia escolhido a auto-estima ­
meus olhos, meu nariz, minha cara, meu caralho,
minha alma - e agora
o Destiuidor sem cara!
Um bilhão de portas para o mesmo novo ser!
O universo vira-se pelo avesso para devorar-me!
e a poderosa irrupção de. música sai para fora da porta desu­-
mana –

1960

O fim

Eu sou Eu, velho Pai Olho de Peixe que procriou o oceano, o
verme no meu próprio ouvido, a serpente enrolada na
árvore,
Sento-me na mente do carvalho e me oculto na rosa, sei se al­-
guém desperta, ninguém a não ser minha morte,
vinde a mim corpos, vinde a mim profecias, vinde a mim agou­
ros, vinde espíritos e visões,
Eu recebo tudo, morro de câncer, entro no caixão para sempre,
fecho meu olho, desapareço,
caio sobre mim mesmo na neve de inverno, rolo numa grande
roda pela chuva, observo a convulsão dos que fodem,
carros guincham, fúrias gemem sua música de fagote, memória
apagando-se no cérebro, homens imitando eles,
gozo no ventre de uma mulher, a juventude estendendo seus
seios e coxas para o sexo, o caralho pulando para dentro
derramando sua semente nos lábios de Yin, feras dançam no
Sião, cantam ópera em Moscou,
meus garotos excitados ao crepúsculo nas varandas, chego a
Nova York, toco meu jazz num Clavicêmbalo de Chicago,
Amor que me engendrou retorno a minha Origem sem nada per­-
der, flutuo sobre o vomitório.
empolgado por minha imortalidade, empolgado por essa infini­-
tude na qual aposto e a qual enterro,
vem Poeta, cala-te, come minha palavra e prova minha boca no
teu ouvido.

NY, 1960

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Carta

(foi o Jorge quem me passou esta carta de Mario Quintana)
Meu caro poeta,
Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócritos! Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz. A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação. Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade. Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas. Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família. Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?

Mario Quintana

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A HORA MÁGICA pode ser pensada como um grupo de indivíduos que se reunem para propagar o blá-blá-blá sobre o CINEMA, um grupo aberto, livre, expontâneo, que realiza e incentiva, desde 2004, intervenções e produções cinematográficas pelo campus e por diversos outros cantos de Londrina-Via Láctea.
Seu foco inicial, e hoje em dia central, é garantir o acesso gratuito às obras cinematográficas de qualquer formato, postura ou tamanho, desde que decidida a importância de sua exibição pelo grupo. A HORA MÁGICA favorece o encontro de desejos, a troca de saberes e a retirada do acervo privado empoeirado na estante para ser posto em circulação.
Parte desse grupo anda confeccionando curtas metragens e vídeos experimentais, indo por caminhos que demonstram as possibilidades de criação, desmentindo a retórica frustrada por impeditivos financeiros e burocráticos.
Isso não quer dizer que não queremos asas maiores. Pra esse semestre já queremos realizar mostras de filmes e imagens (na Uel, no DCE do centro, na Casa do Estudante, nos festejos...) finalizar alguns curtas, iniciar outros, ampliar o acervo da videoteca da Uel incentivando doações, arrumar recursos pra expandir nossos equipamentos, incentivar a pirataria, ajudar a oxigenar as cabeças do movimento estudantil e de outros movimentos e, também, dos anti-movimentos, confeccionar documentários, construir grupos de discussão, estudar a criação de um curso de cinema na Uel, esfrangalhar esse reitor e acabar com a auto-destruição e a falta chiste no mundo.
Sei lá! Até agora lembro disso. Mas pode aparecer mais, ou esses objetivos mudarem.
Erga-nos:
ahoramagica@yahoo.com.br

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Retalho de uma carta de Caio Fernando Abreu a um amigo

Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.

Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.

É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na CultUra, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.

Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.

E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.

Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/ e do corpo e, ao mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido.

sábado, 6 de setembro de 2008

Maconha atua contra bactérias resistentes

São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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BIOQUÍMICA

Maconha atua contra bactérias resistentes

DO "NEW YORK TIMES"

Pesquisadores da Itália e do Reino Unido demonstraram que o princípio ativo da maconha, o THC, pode ter uma importante atividade antibacteriana. Isso é válido inclusive para micróbios bastante resistentes a drogas, como o Staphylococcus aureus.
A pesquisa publicada no periódico científico "The Journal of Natural Products" investigou o comportamento dos cinco tipos de canabinóide mais comuns. Os cientistas sugerem que outras substâncias presentes na maconha e que não têm efeito psicotrópico também possam ser eficazes contra as bactérias.
O estudo não conseguiu identificar exatamente como o THC atua. Apesar de antibióticos com essas substâncias ainda estarem distantes, elas poderão ser usadas em breve na proteção da pele, diz a pesquisa.

sábado, 30 de agosto de 2008

Nesse domingo tem apresentação do grupo A barca de papel... tem um tema... uma poesia... e sustos atrás de choques... todo experimento vomitado, o show. Apareçam, recitem... o palco vai até a porta de saída. Vai ser na Vila culutural Cemitério de Automóveis, depois das cinco. Juntos vão estar a banda A Lei (rock pesado e calmo) e a Natty e trio viagem (róquemrou tropiniquim).
A barca tem uma comunidade no orkut lá....
A hora mágica também... nosso cine club de carne e osso.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Virtude Rasta - Curitiba-Pr


Esta é a banda do nsso saudos Brunão ela é composta por Vocais: Bruno Rocha Guitarra Base: Tiago Henrique GUitarra Solo: Fellipe da Luz Contrabaixo:Robinson Chagas Percussão :Zéh Bateria:Rafael Garcia suas Influências são: The Waillers, Robert Nesta, Marley, leões de Israel, Mato Seco, Ponto de Equilibrio, Bunny Toots Third World Groundation e Peter Tosh. Enquanto o show não rola aqui em Londrina da pra conferir o Reggae Raiz da rapaziada no http://www.myspace.com/virtuderasta.
Vibrações positivas pra banda.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Beethoven, eternamente

Em homenagem a centagésima postagemem nosso blog... tchã-tchã- tchã-tchãããã~~~~...


Era a iluminação baixa do velho anfiteatro universitário quem escondia as rachaduras e dava a tudo um aspecto acobreado vertiginoso, além de dor de cabeça em míope. Acopladas, idênticas, quinhentas, banquetas, de estofado, avermelhado, ficavam, chumbadas, uma nas outras, perfeitamente enfileiradas, em cinco desníveis, em forma de degrau. Viradas todas. Na direção de um baixo palco pretendente a portentoso. Onde o professor palestrava. Centrado na cadeira do centro. De microfone. Os alto-falantes espalhados pelas paredes que repetiam berrando o que o professor dizia e a arquitetura da sala já recomendavam a quem chegasse: “sente-se e escute, que o burro que fala é ele e o que baixa a orelha é você”. No patamar, atrás do degrau mais alto, a porta envidraçada, que insistia em ranger a cada novo curioso que entrava e a cada entediado ou atrasado que saía.
- Eis o cordão umbilical de um gênio...! – segurando o pote de vidro.
- Oh! Que coisa grotesca! – por entre o lenço tirado do bolso: ânsia.
- ... Fita morta, culpada das acusações sofridas pelo seu sombrio e zeloso guardião: Necrófilo! Cotólatra! Doente! Holfw Van Beethoven, tio de Ludwig, era, na verdade, um fascinado, por música, beterrabas e pelas pirâmides dos faraós. Esta última monomania levara-o a embalsamar mais de quinze placentas de amigos e parentes recém nascidos, entre elas a de Ludwig. Guardava-as num sigiloso sótão, num armário que só abrira as portas para que seu filho conhecesse o – até então – inútil e, no entanto, impecável tesouro de órgãos cadáveres. Talvez pelo delicioso sabor discreto do mistério, o armário úmido transformou-se em tradição familiar, e perdurou entre as gerações, até nossos dias, como se o aroma retardador da podridão vindo dos órgãos banhados em formol acabasse por impregnar também as madeiras do velho armário e a responsabilidade do segredo herdado. Vejam como um hábito doentio acabou por legar uma magnífica matéria prima aos artífices da ciência do século XXI. Notem como o insano atingiu seus objetivos de forma tão bem acabada através de Holfw a ponto deste utilizar-se de técnicas inteiramente racionais para efetivar seus desejos desvairados. Notem, vocês, agora, como a desrazão utilizando-se da razão provou-nos ser, também, razão ao nos legar a possibilidade de presenciarmos, com todos o seu brilho e nuance, a alma do maior gênio da música...!
- Oh! Que gesto!
- ... Com os olhos atentos, nossos grandes aparelhos de armazenamento de memória e ouvidos desajeitados, acostumados as atonalidades mais tortas e aos cromatismos mais encaixados, poderiam agora se prostrar, oferecer-se, humildemente, com a maior de suas capacidades, prontos a captar e aprender, pois estariam diante de um verdadeiro mestre, algo escasso nas últimas gerações. O solo secou a muito, esquecemos como cultivá-lo e as pétalas do artista, do novo, da poesia não mais desabrocham, a flor atrofiou. E sem ela, percebemos agora, tudo não serviu pra nada. Querem mais justificativas éticas do que esta? Felizmente..., repito, havia nos sobrado a fria e, cada vez mais, grandiosa ciência. Poderíamos, enfim, voltar a aprender como criar e, financiados pela A. C. C. ...diga-se de passagem..., recriamos nosso mestre através de um broto embalsamado que velava um patrimônio genético florescido na época em que o homem ainda possuía a verdadeira riqueza criativa de sonhar: o fogo do novo! Não podemos nos esquecer de mencionar a invenção surgida dos laboratórios iranianos: os espermatozóides de silício, sem os quais também não seria possível tal feito. Ludwig Van Beethoven está novamente entre nós para quebrar esta corrente que nos aprisiona no senso-comum! Só não sabemos onde.
Sentado, de braços cruzados, na última fila, na cadeira mais próxima da porta de saída, estava Bernardo. Meneava a cabeça, como se todo aquele discurso fosse absurdo. Ria-se quando pensava em sua grande ironia: estar ali. Entre o cabelo raspado, profundos vincos no rosto e a barba a muito esquecida, mantinha um nariz redondo e um olhar de ferro que agora parecia mirar para além das paredes do anfiteatro, tal a centralidade de sua atenção. Há vinte e oito dias procurava se manter em lugares quase invisíveis, porém estratégicos como este, se afastando arredio do convívio e das apresentações em público. Já o chamaram de misantropo, taciturno, calado, na dele, sereno, recluso, fantasma, segundo plano, espectador da vida, sombrio, silencioso como um gato, abatido, trancado, nas nuvens, solitário, fechado, obscuro, apagadinho, indistinto, sossegado, misterioso, lunático, quieto, silente, melancólico, soturno, lúgubre, fúnebre, insociável, sonhador, de canto, enigmático, nebuloso, nubiloso, recolhido, torto, bicudo, sisudo, reservado, calmo, tímido, parado, morgado, discreto. Tudo isso em menos de um mês. Acontece que variava por todos estes e muito escutava. Não entendia porque tagarelavam tanto, por isso não o fazia. Além, é claro, da discrição indispensável, pois sabia que era procurado, caçado tal como aquele cão que não aceitara a vida doméstica e, deixando de comer para emagrecer, escapara pulando por entre as grades do portão. Procuraram, até com retrato no jornal, mas nunca mais foi visto.
Queria ouvir a divulgação de sua fuga, após quase um mês de investigações secretas, ao mundo. Fazia um esforço terrível, pois já percebia a chegada inevitável do brumoso silêncio que cobriria seus ouvidos pelo resto da vida.
Procurou as horas. Estava atrasado, como de costume. Pegou a maleta e saiu, murmurando licença mal humorada. Rangeu. Depois de xingar a falta de óleo das dobradiças e um provável culpado pela falta, correu em direção ao estacionamento ajeitando a gravata. Se não estivesse engarrafada a avenida, chegaria em treze, entraria no banco com dívida de sete, quatorze, sobe um, doze.... Até arrumar o caixa, baixar as notas e conversar um assunto inadiável com o outro caixa, já se passariam mais uns vinte. Nada muito comprometedor, acabou por aceitar levar um prejuízo de duzentos pacotes por causa de um erro – qual nem havia sido o arquiteto, mestre-de-obras e, muito menos, pedreiro ou ajudante, só culpado – e cancelar a tal conversa inadiável, assim diminuía o atraso. Pagava para não ter de ouvir os chiados do subgerente da sessão, de quem dizia que, obviamente, não tinha nada a dizer.
No meio do expediente já havia re-roído todas as cutículas, seu corpo se retorcia no balcão, torto.
- Porque, quando somos crianças, as possibilidades da vida se demonstram, no mínimo, imensas? Podemos querer ser astronauta ou, até, jogador de futebol, presidente ou skatista profissional, de bombeiro a atiçador de fogo. Depois vamos crescendo e a vida vai se afunilando, até chegar o ponto em que nos vemos preparando nosso currículo para entrarmos numa fila que quebra a esquina, ainda sem nem o sol ter nascido, para então implorarmos por uma vaga na burocracia de uma enorme e pesada instituição... As pernas, quando pisam no chão, diminuem muito, os seus passos são pequenos e chega-se até a admirar, invejando, que alguém possa ter o privilégio de escolher entre encarregado da sessão de não-alimentos ou secretário-recepcionista. – pensava, enquanto sorria.
Após nove horas resolvendo complicações financeiras dos clientes do Banco Socrop e mais uma no engarrafamento da volta, Bernardo se jogou no colchão improvisado no chão do quarto alugado tentando acertar a respiração e calar a mente inquieta.
- Como até as minhas vontades ganharam roupagens diferentes desde de que escapuli. Antes acordava arrependido de o ter feito, abria os olhos e já me vinha um “por que todo dia tenho que acordar, por que todo dia, todo dia tenho de viver?” ou “não posso hoje morrer e amanhã vejo se vivo um tanto?”. Vivo agora para recolher material para meus sonhos. Noto o cansaço vindo. Os olhos pesados. O amolecimento. A poesia brilha em cada canto inusitado! Sólida como uma pêra, líquida como uma lágrima, gasosa como um reflexo fosco. A cada nova linha lida, a cada tombo de criança, a cada olhar perdido de mulher no ônibus, um despertar de uma revolta, uma letra triste contrastando com a música alegre, me carregam os ombros. Os arrasto e pesadamente os solto, sem medo do tombo, no colchão deixo os sonhos saírem de suas tocas, de início arredios, depois abafadores, entram roendo aquilo que a lucidez se esquecera de carregar em sua saída às pressas. Acordado, volto à labuta, fuçando com o olhar, procurando aquilo que me faça dormir, sempre com a dúvida: do que me meus sonhos gostam? Será que vão gostar disso aqui? Ai! E esse zumbido barulhento! Não é alimento nem para os meus pesadelos.
Estourou a barriga de um pernilongo – madrugada quente – na parede, usando a ponta do indicador. A mancha de sangue que grudara no dedo mostrou que o mosquito, astuto, no auge da loucura, já havia se antecipado. Achou um pedaço de pano, mas preferiu se limpar esmigalhando-o na parede: desenhou, usando do sangue como tinta e do assassino como pincel, fez um olho. Já, nele, tudo terminava em arte, até a morte, sem nem notar. Só conseguiu enfim desligar-se após passar as mãos nas cordas do violão recostado na parede, empoeirado.
- Mi..., lá..., ré..., sol..., si..., mi... – soltou as cordas enferrujadas.
“Amanhã tenho que acertar a luz”, foi seu último pensamento consciente e adormeceu, tranqüilo, eternamente, o mosquito.

*
De manhã, enquanto mastigava de boca aberta, passando a manteiga na bolacha.
- O afamado clone de Ludwig Van Beethoven foi encontrado nesta tarde pela guarda costeira americana. O fugitivo dirigia-se ao estado de Uzkhuklan, México. Perguntado sobre os motivos da fuga, o homem que carrega o peso dos genes do maior gênio da história da música erudita gritou simplesmente: “eu não sou um experimento!”. A polícia encaminhou o prisioneiro ao oitavo distrito californiano onde foi feita a confirmação genética. Seria o momento de botar numa balança todos feitos e objetivos da ciência de nosso tempo!?!... É o que nos responderá o médico Filipis Morins, no próximo bloco.
Desligou o televisor com os olhos aturdidos. A fisionomia do fugitivo na reportagem não negava uma estreita semelhança com o original Beethoven. O olhar duro, atento, o nariz arredondado, os cachos grisalhos nas têmporas! Usava até uma casaca alemã do século XIX.
- Assim estava praticamente se entregando. – pensou consigo, Bernardo.
Procurou o cartão, foi até o orelhão e discou o número do psicólogo. Hoje não iria trabalhar, a situação se complicara.
-Afinal, quem sou eu? - ...! - não sou fraco, mas tenho fracos. Tenho de ter mais fortes. Você está me entendendo? Você já me entendeu algum dia!?! Acreditei realmente, doutor. Eu, que só queria a ignorância de não saber quem eu sou. Por um mês andei pelos cantos na tentativa de passar despercebido, deixei a barba crescer, raspei a cabeça pra parecer o menos possível com o tal e olhe que eu nem o conhecia, nunca o tinha ouvido, até um tempo atrás, quando me deram um disco e pediram para que eu escutasse em segredo. Gostei tanto delas que queria ser o seu autor, ficava indignado por não ter sido o homem que havia concebido aquelas grandiosidades antes. É muita prepotência... Seria caso de esquizofrenia?!
- Hmmn...? Ah! Olhe..., mmm..., talvez você tenha percebido, Bernardo, que a vida só é devidamente degustada quando criamos. Quando aprendemos a focar tudo aquilo que conseguimos deter, dessa imensidão que a vida nos oferece, numa nova contribuição para a eterna criação do original, do inédito, do novo. É difícil vislumbrar uma idéia, aliás é a coisa mais difícil que já tive a oportunidade de realizar. Fácil é ruminar pensamentos já antigos, repetir o já posto. Como sempre digo.
- É... tentei compor, arrisquei escrever alguma coisa, mas não parecia ser quem eu era.
- Sempre acharemos que nossas criações são ruins, não complautênticas, se elas não forem realmente algo novo. Beethoven, talvez tenha sido a máscara que encobriu este vácuo de criações, tão constante hoje em dia.
Cismou calado, mão no queixo e bico oblíquo. O médico parecia querer deixar o silêncio formar dois monólogos absortos, calados.
- Deixe para a próxima. Acabou nosso tempo, pense nisso em outro lugar.
- Até, doutor.
Levantaram-se das cadeiras.
- Ôxi!
- Quê?
- Din-din.
- Ah! Cartão?
- Qual?
- Socrop.
- Ô.
Lá fora esperavam-no um camburão, oito policiais, o representante do Conselho Nacional de Bioética, o acionista majoritário da Advanced Cell Corporation, o representante do CIBE (Conselho Internacional de Bioética), um helicóptero, sua filha, os representantes de quatro telejornais, quinze de jornal impresso, dois de rádio, um de um ou blog ou flog, bop, cia, além de trinta e seis curiosos que completavam a horda de cidadãos guardiões.
Lá dentro, o psicólogo olhava para a porta lhe chamando de traste.
- No entanto, nunca seus bolsos estiveram tão cheios! – bradava a porta.



quinta-feira, 31 de julho de 2008

As montanhas em Minas são cadenciadas, acompanham o andar do trêm, o rio doce tá todo sujo por causa da Vale, mas é imenso, calmo, doce. Tudo é meio amarelado, sol encima da cabeça, uai.
As montanhas no Espirito Santo já são intimidadoras, despontam pra todo lado, uma mais pontiaguda que a outra, todas escondem uma cachoeira, e por todo lado existe a plantação de eucalipito da Aracruz, destruindo tudo por onde chega, mas ainda tem muita mata virgem. Tudo é meio místico, azulado, roxiado, impenetrável.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Aos olhos da maioria isso parece preguiça. As vezes finjo que não, mas escuto vozes, e essas conversas são furadas por risadas cortantes de cinismo, mas não dou a mínima para elas, estão totalmente por fora. A verdade é que sentia formigas, várias correndo pelos meus pés e como não eram acostumados com tamanho quantidade de transeuntes, acabei deixando de senti-los. Elas iam subindo e eu descendo, caindo em areia movediça. O fato é que parei, cruzei os braços ante as costas para contempla-lá, e quando tocamos com os olhos, acabamos por nos tornar vulneráveis. Parei para a imaginação continuar andando, parei para deixar de sentir o tempo rasgar a minha cara, desliguei a moto para sentir novos sons pelo silêncio, e quando achei que tudo aquilo se tornara muito perigoso, a moto não quis mais pegar. Quis descer mas ela estava muito rápida, parecia que estava sendo puxada, magnéticamente pelo tempo, para o encontro. Não queria estar ali, mas fui me deixando ir, como se estivesse longe e não pudesse me assistir e quando vi o maldito, parei de ouvir, tentei parar a moto, o tempo, o maldito e somente o segundo fingiu obediência, fingiu. Mas quem me deveria era o terceiro, pois o pare era pra ele, mas também já não o culpo por nada, sinto um pouco de dor, mas um dia ela cessará, a verdade é que deveria lhe agradecer, pois só ele conseguiu me fazer parar.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Cada uno hace el "som"
eso pega en su corazón

terça-feira, 8 de julho de 2008

espinha torta

Tá na cara essa espinha
Seus olhos brilham diante dela
penso nela enquanto espremo, escrevo
e imploro a deliciosa dor da sua ausência
Queria saber porque veio
Se não há dança diante dele
não penso nela, nem durmo, nem beijo
e choro a deliciosa dor de sua presença

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Decomposição

E o sangue que fervilha
nestes momentos poucos
ecoando gritos roucos
em noites vazias

E um peito destroçado
neste breve tempo desfeito
um corpo caído ao leito
de momentos quebrados

Um passado flutuante
de lembranças ébrias
e recordações funérias
perdido em braços de amantes

E segue a desilusão
já sentidno os efeitos
de dias 'putrefeitos'
de uma vida em decomposição

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Criá um som

Encostado numa parede gelada do norte da cidade, embaixo das cobertas, com os olhos vermelhos e cabeça esvoaçada, tentando se consentrar num texto de um comentador de um conceito importantoso de um, ainda mais importantoso, pensador. Ô karma que não sai. Quero ler o que quero, escrever o que me vem, como vejo ai fora aqui de dentro, mas num pode. Porra de amarras! Se puderem não caiam nessa e nem criem as suas.
Veio-me o "tóin"! Tocar e construir músicas trilhas sonoras de alguma coisa qualquer, trilha sonora de bang-bang, trilha sonora de uma seca, trilha de um desenho animado, trilha para um jogo de xadres, peteca, futebol, trilha de filme japones, trilha de um filme do zé do caixão, rilha para um pássaro cinza, trilha de um cágado roto... a barriga até dói de tanta liberdade e possibilidades, sem amarras! Depois as idéias viajam: agente coloca um quadro, uma praia azulada, um girassol do Van Gogh, um cubista e todos, vendo o quadro, criam a música inspirados na imagem. Agente faria um show, experimental, no palco, instrumentistas dispostos a fluir entre si e as imagens brilhando por cima e pelos lados, ampliadas pelo retroprojetor. Ou não. Ou ficamos num quarto e por mim tá ótimo, desde que não surjam amarras, só propostas pra que coisa voe.
"Urucum já criou asas, nem prum pé de cachoeira ele cumpriu o be-a-bá, de tão alto que tá lá." (o ritmo imaginei meio alceuvalenciano...)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O Homem Ordinario


Eu sou um homem ordinário.
Trago comigo todas as signicações que esta afirmação pode ter.
foto: David Lachapelle http://www.davidlachapelle.com

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Mude,
mesmo que aqui esteja

bom.

Não conclua.
Mude,
mesmo que aqui esteja

bom,

não conclue.
Mude!

Mesmo que aqui esteja
bom,

não conclui.
Mudo,

mesmo que aqui esteja
bom,

não concluo.
Mude,

mesmo que aqui esteja
bom

não conclu

terça-feira, 20 de maio de 2008

O garoto de olhar diagonal

Podia estar enchendo a cara, vendo TV, assobiando, mas estou escrevendo... então, preste atenção.
O parteiro chegou na pedreira de manhã e disse que o menino que esperava vinha com um defeito. Provavelmente pelo esforço, já tinha avisado pra parar de levantar peso: assentar tijolo de barriga, onde já se viu? Não deu atenção e deu naquilo: o menino ia nascer com o cérebro de ponta cabeça, um caso raríssimo... um em cada muitos... Foi pra casa chorar com as almofadas.
O menino nasceu calado, nem com as palmadas berrou, nos exames tudo estava cheio de normalidade, só olhando algum tempo que dava pra notar um descompasso das alturas da orelha, uma muito encima ou outra muito embaixo, o que fazia parecer que o menino sempre olhava de soslaio, uma encanação diagonal, mesmo quando deitava reto como as múmias fazem.
Crescendo, viu-se que o menino nada mais tinha de atrapalhado, ao contrário: ele que atrapalhava os outros. Alguém que sentasse do seu lado puxando conversa, em dois tempos saía dali torto. Como tentativa de conversa banal virava uma lição de vida, era de se ver.
- Que calorão, hein!
- Dentro de você? - entortava.
A pessoa saía ofendida com o que de início era um absurdo, mas ficava o resto da tarde pensando até ficar triste com a própria estupidez e com a perda da oportunidade de poder aprender sobre si mesmo um pouco mais. Tanto que quando avistou de novo o menino ali, esperando o ônibus, parou os passos apressados de compromisso e foi chegando com o máximo de respeito que sua brutalidade acelerada permitia. Tentava um assunto sério, preocupante, a poluição ou algo do tipo, e o menino com três palavras mostrava que a pessoa se levava a sério demais. Tentava uma piada, mas o menino não ria, porque realmente aquilo não tinha nada de engraçado e ainda desvendava claramente que aquele sorriso da pessoa era um disfarce bem costurado pra cobrir o desespero da falta de graça que tinha seu olhar sobre o mundo e que aquele formato de humor não vinha sincero, mas de alguma novela, de uma propaganda ou de gerações atrás. Tentava verbalizar aquelas sacadas dolorosas que tinha sobre si e o menino ironizava com trejeitos de psicólogo bufão.
Era difícil ficar do lado do garoto, cada hora um murro no próprio estômago, mas era irresistível. Todos que o circundavam, percebia-se, implorava por aqueles murros, disfarçando, falando qualquer coisa, convidando-o pros lugares mais desejáveis, mas o garoto não ia quase nunca, misterioso, e sua não presença era sempre entendida como uma crítica a tal ambiente ou às pessoas que por ali passavam, mas ele nunca pensava nessas coisas, não ia porque não queria e pronto. Onde ele fosse, ali sim era um lugar de se estar, se ele fosse constantemente então... era começar a observar cada canto do recinto, diagnosticando o que caracterizaria um lugar merecedor de visitas.
Aquela tranqüilidade no fazer o cigarro, no contar uma história, lavar um tomate, de se apegar às coisas tão maravilhosas que antes nem a tinha se quer reparado...
- Olha como é descompassado o canto desse sabiá. Parece um...
E fazia aquelas comparações incomparáveis de tão imprevisíveis, o que fazia soar fantástico no ouvido de quem nem lembrar como era um sabiá lembrava, muito menos reparar que ali do lado tinha um assobio quadrado, agora insuportável de tão presente. Daí a pessoa saía dali nervosa por ter deixado perder sua intimidade com as coisas do mundo, exercitava duas semanas os ouvidos, lia sobre passarinhos no google, se inflava de agora entender sobre o assunto e ia andando com os ouvidos pulsando de tão abertos e os olhos lacrimejando do mundo ser tão grandioso em sua sutileza. Raros eram os que assumiam o mérito ao garoto que, por sua vez, nem desconfiava que era seu, ou mesmo que tinha sugerido qualquer coisa. Ele só vivia, muito parecido com aquilo que maioria de nós fazemos, mas tinha essa capacidade ingênua de apontar tudo aquilo que vale a pena se apegar na vida e em si mesmo. Aos que o circundavam, ele parecia que quase sempre acertava, mesmo quando revelava uma ridícula ignorância. Aquilo que ignorava virava indigno de relevância.
- Porque eu dava atenção pra isso? - se perguntavam, sempre por dentro.
E o garoto permanecia com a ignorância porque ninguém tinha coragem de responder seriamente sobre algo que até o momento não tinha sido importante pro menino, também porque percebiam que, no fundo, também não sabiam do que aquilo se tratava, daí escondiam a estupidez com o menosprezo, fingindo um descaso, uma desimportância com o causo.
Conversar com o menino era sempre um mal estar porque sempre subia uma ânsia, uma necessidade inadiável de vomitar a si mesmo. O garoto era paradigmático. Se o topasse, você veria que seus olhos exigem, pra começo de conversa, que se retire todas suas cascas e que se perceba como quase oco. Daí então, talvez, ele lhe convide pra sentar e até lhe ofereça um cigarro. Ofendido com aquela destreza, você ataca, se sentido ameaçado sem nem saber pelo quê e, no meio do ataque você percebe que sua ofensiva é frágil, que nem era preciso nada daquilo e que está brigando sozinho. Então se recolhe, pensando em outra estratégia para garantir a fortaleza que lhe esconde de si. É quando percebe que é melhor deixar que ela caia e passa até a colaborar, derrubando as paredes à marteladas. E de "que dupla de orelhas bizarra esse coitado tem", arrogante, vai para "nem respirar direito eu sei", indo embora de bola baixa.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

diário das filmagens

começamos bem, o ensaio me deu um sorriso pro resto do dia, todo mundo se incorporou, incrivel!, numa segunda (manhãzinha) filmando os planos-sequências, pensando nos jogos de imagens (conceito repetido por mim, num sei se inventei, que butter desaprova), num outro dia não reparamos que na casa (cenário do encontro com os gêmeos) não possui energia elétrica, tomada, e quando começa a escurecer parece que já escureceu, o sol despenca, não se põe.
o cacto, paulo, "tá meio cansado de tanta andança".
filmamos a cena em que o pequeno encontra a pressa, com muita pressa. intão tá.
a cena com os gêmeos fizemos, parte dela ficaram lindas. as fotografias estão sendo bem definidas, pausamente criadas, lentamente observadas, o processo teve de se assumir mais lento. o que é arte, não é? com olhos por cima do ombro no "vai vai que preciso almoçar", num sai.
único problema foi com o cancelamento do apoio dos transportes na uel, apoio de urubu num quero mesmo. "brigar agora, luis. ficava quéto, menino!" É..., agora já foi e se num tivesse ido teria sido de novo, em outro momento.
mas, olha, como disse a Elis, num é que tá indo mesmo, tá saindo do universo mental seu e tá ganhando corpo. E que corpo! Parece Wim Wenders segurado pelas pernas pelo Zé do Caixão. Tudo meio bronze. Até agora.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Joyce na lata-de-sardinha

Em 2001, um grupo de jovens atores, promoveu a performance a que demos o nome de "Os Green Men" tendo como função ler Joyce para um público diverso. Estas leituras foram feitas nos ônibus circular 02 A e B, de Belo Horizonte e na estação Diamante, no bairro Barreiro. A intenção desta comemoração foi retirar James Joyce dos espaços fechados e acadêmicos, testando sua linguagem dentro dos ônibus para um público móvel, que subia e descia, e os participantes faziam uma parada nos pontos finais da periferia. Os atores pintaram a cara verde, e criaram suas próprias roupas tendo como subtexto a linguagem dos sonhos. Cada um podia vestir-se de acordo com sua fantasia, tendo apenas a cor verde, considerada como a cor da Irlanda, um elemento unificador. O texto foi compilado a partir da tradução de Donald Schüller e se referia ao primeiro livro do Finnegans Wake. O texto lido, foi escolhido e editado por Ione de Medeiros:

..................................................."Atenção! Atenção! Temos porora somadas mil e umestórias, muirecontadas, do mesmo,urra! urra urra! O aquoso pinguço serragigante Tão certo porém comabel comeu as rubrossantas maçãs devita, (o que com buzinaços infernais de rolls-réus,pipedecarros,rolo-de-rodas,triquetraquetrens,roncodemotos,poplaymóveis,transporatadoras,e o tira de capa, e a mordidela de cadela das voluntárias da pátria na orelha lá dele e o encanto das boates, percurs, charmantes meiasfabris a doze pratas a dúzia, e fumaça –bus deslizando aolongo davenida dos Andradas e trombadinhas trombando em torno da praça sete-te-cala-meu-chapa- e o fumo e a fama e a forma dos indígenos urbanos guardas—do capitólio, do palácio da liberdade escavadores de cascalho, e quantos atropelos e apagões quantos apelos um para mim um para ti indo advertindo plin pleno delicor. O coco pesava, a cuia tremia na cachaça dim!... Rolou pela escada. Dom! Qual múmia caiu duro Dum! Mastabatom, mas-tá-bom. Depois do casório começa o velório na colina pratodomundo ver. Eu o teria dito macool..... Macool ..Porra por quiski ocê morreu? Foi de sede em terça. Merdinha ? Chopes aos choupos no do finado veludo velório, estrelas de tod anação. Havia à porfia, pedreiros, casados, delgados, deus éosenhor violeiros, marinheiros, cinemen, perueiros, camelots, os vende-se ouro, os cortacabeloadoisreal, os limpadores de parabrizas, osmachofemeos e os menores deidade, de tudo, os não estôaqui prarobá e todos giravam, e todos giravam na mais alto-falante showialidade. Alguns no tam-tam do tamborim, e mais camcam no pranto. Pra cima no batuque pra baixo no muque. Adonde neste bosta y mundo escuitará loisa igual? Acomodaram os salmão em seu derradiro leito. Ué? Ta duro mas soberbo. Se houve cabra alegre no tablado era o finnado. Bem, eli repousa estendido de costas como um desproporcionl babelinho, vamos vê-lo se vemos, se pegamos se queremos, se assim te parece. E lá! Lamento Lamento (Hoá-Hoá-Hoá!) em suim-suam-sum e por toda a livvy longa noite a dele dolorida noite (que bello! Que bello!) O velam. O açúcar do pão me daí hoje mais o leite de d'amazonas. Ohmém. Assim cerveja.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Ventos que sopram do norte,
outros que arrastam do sul
Se não nos abraçarmos,
quem se perderá de quem?

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Lia de Itamaracá não conta no PIB

O Produto Interno Bruto brasileiro cresceu mais de 5% em 2007 e este foi motivo para celebrações vindas de todos os lados. Tal avanço econômico, somado a números bastante positivos no mercado de trabalho e investimentos em capital fixo, que aumentam a capacidade produtiva do país, também suscita certa onda de comemorações entusiasmadas ou comedidas. Contudo, o discurso comum só se torna possível porque enxerga crescimento econômico como equivalente ao aumento da riqueza da sociedade.

De fato, os números da economia brasileira para o ano passado aparentam ser encantadores. Entretanto, encantadora de verdade foi a presença de Lia de Itamaracá nas dependências do Sesc Pompéia, em São Paulo, um dia após a divulgação dos números da economia brasileira pelo IBGE. Uma mulher enorme, com cabelos longos, trançados orgulhosamente em estilo afro. Nossa mama África, nobremente vestida sob um longo vestido colorido; rainha majestosa, senhora de sua raça, um pouco - muito de seu povo e de sua cultura.

Nessa noite, ninguém parecia estar muito interessado com o “fantástico” resultado do PIB. Apenas esperavam Lia ocupar o palco, entoando as cirandas repletas da alma de sua gente. Entrou com andar calmo, nem muito lento, mas também sem arrastar chinela. Deu seu primeiro boa noite, com sorriso do tamanho de sua arte. Sendo a primeira resposta do público, que a essa altura já havia se levantado e tomado o salão da choperia, sonoramente tímida, ela repetiu a saudação alongando-a e elevando o volume da voz: boooa noooite, São Paulo! Dessa vez, a platéia correspondeu à altura e os primeiros batuques de ciranda puderam começar.

A força da música de Lia é inquestionável. O que se tem colocado cada vez mais em questão é validade da utilização do PIB como método de avaliação de progresso social ou baliza para se chegar à soma das riquezas geradas no país durante todo o ano. Aliás, estas definições freqüentemente utilizadas por governos, empresários, banqueiros etc., não são neutras. Deixam ocultas, sob um véu de vibração sóbria, típica dos economistas, as anomalias causadas por um tipo de crescimento que não respeita os limites dos recursos naturais, é agressivo à diversidade e acentua grandemente as exclusões sociais. De acordo com relatório da Organização do Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o PIB é um ícone de controvérsia estatística, porque “mede renda, mas não igualdade, mede crescimento, mas não destruição e ignora valores tais como coesão social e o meio ambiente”

Ao tomar o PIB como paradigma, ficamos órfãos de indicadores que apontem os caminhos para evitar a autodestruição ou que mostrem o prazer, a satisfação e o bem estar

Em outras palavras, pode-se dizer que o Produto Interno Bruto capta as dimensões típicas das relações mercantis, que são, portanto, passíveis de monetarização. O valor que pode ser gerado ao se proporcionar à sociedade amplo acesso a bens culturais como o espetáculo de Lia de Itamaracá, não pode ser calculado para efeito do PIB, a não ser pelos ingressos vendidos. [...]

Marcos Aurélio Souza (30/04/2008)

retirado do site do Le Monde - http://diplo.uol.com.br/2008-04,a2374


quarta-feira, 7 de maio de 2008

Chodorovinsky


'Ibrahim Chodorovinsky', nasceu na Birlinia, cidade de 4.500 habitantes no norte da Islândia. Professor de música desde os anos 50, participou do movimento Klämus (grupo inspirado no minimalismo desenvolvido na escolas holandesas de piano). Desde os anos 80, vem fazendo intervenções inusitadas em lugares ainda mais inusitados (banheiro de lojas, postos policiais...) sempre com propostas de "desconstrução da música tonal e de consultório de dentista" como cita comentando sua obra. Compôs quatro sinfonias, vinte peças para instrumentos de percursão e voz, além de cursos de música tribal Yi. No seu livro "Aprkruch" ("Cometa!", ainda sem tradução para o português) desenvolveu uma escala musical formadas só por notas microtonais, além de apresentar a "nota marrom", uma nota musical apresentada teoricamente que precisaria ser executada a uma temperatura acima de 85 graus para ser ouvida. Sua obra é considerada um marco na música européia oriental. Dos inumeros brasileiros que sofreram sua influencia, Hermeto Pascal foi um dos que cursaram seu workshop "Linpisjk or trystie" (Descobrindo o seu canto) que desenvolve desde o início dos anos 90. Ib Chodorovinsky é uma farsa poética.

retirado de "www.musicamaldita/institutominimas.pt"

domingo, 4 de maio de 2008

O pequeno

Em homenagem à correria: um roteiro de um filme ainda pra ser rodado.

MOTORISTA E O PEQUENO

Um carro velho quebra numa estrada, depois de chutar e xingar o carro, o motorista pensa em pedir ajuda. Olha para todos os lados: imensidão de plantação de trigo. Tenta o celular: fora de área. Abre o capô. Já está anoitecendo. Adormece no banco de trás. Acorda com o pequeno batendo no vidro com as pontas dos dedos.
- Homem, homem! Por favor! Meu cacto, meu cacto...!
Assustado e sem entender direito o que o menino dizia, sai:
- Que que foi, garoto?
- Minha planta, - mostrando – meu cacto está morrendo!
- Ora, analisando – mas ele parece muito bem.
- ... mas está morrendo!
- Dê água então, diabo. – abrindo de novo a tampa do motor.
- Água?
- É, ué! – fuçando.
- ...! – indeciso – Tem certeza?
- Mas não é disso que planta precisa pra viver? Água!? – bebendo num cantil quase vazio.
- Me arrume, então, um pouco. – erguendo a planta.
Mede a água, mira o sol, olha pro motor:
- Tô fodido mesmo! – despejando até a última gota na planta.
O garoto corre alegre pro canto da estrada e o motorista volta na labuta. Depois de um tempo é puxado pela mão do pequeno:
- Acho que se enganou, ela continua morrendo.
- Não, não. Agora, com certeza, ela está melhor. Viva. – irritado com um parafuso.
- Mas está morrendo.
- Não, ela está vivendo!
- Também. – diz o garoto desatento com as palavras e atento com a planta.
- Olha, moleque, me perdoa, viu. Mas eu tô encrencado com uma coisa séria aqui.
- Ah, sim, sim. Desculpe.
E foi subindo, trigal adentro. O motorista por um tempo se arrepende da rispidez.
- Ô pequeno, escuta! Sabe onde posso encontrar ajuda?
- Não me siga, homem, estou tão perdido quanto você.
Entra no trigal. Ouve o barulho do carro funcionando e os gritos do motorista, lá atrás.
- Irra! Há, há!

ENCONTRO COM A VIDA/MORTE

Lá dos confins do horizonte, o pequeno avista uma figura de roupas esvoaçantes caminhando, soberba, em sua direção. Corre ansioso até ela. Seu rosto parece partido: metade transparece uma coisa e metade esconde outra coisa.
- Meu cacto está morrendo!
- Todos estão. Você também.
Pára o olhar pensando, em choque..., desperta:
- Ah, tudo bem! Só não queria que a minha planta tivesse de passar por isso..., ela está morrendo. – triste.
- Ora, mas para ela estar viva ela tem de continuar morrendo, garoto! – irritada.
O pequeno continua a falar, desatento.
- Meu cacto está exposto a esses insetos horrorosos, preferia um mundo sem eles!
- Não dá para afirmar amor à vida e toda sua grande sutileza se continua a esmagar baratas em prol de seu insignificante nojo.
O garoto aquieta. Ela continua, com voz suave:
- Ah, o que você procura não é a mim e sim a imortalidade. Caminhe até o segundo descampado onde está a casa do velho Raro, é o único conhecido que menosprezou os meus conselhos, agora sofre encurvado pelo peso já insuportável do tempo em suas costas.
- Por onde devo ir então, mulher? Qual é o caminho pra encontrar esse homem?
- Hmmm..., - irritada de desacreditada - uma banalidade que a todo tempo digo, mas ninguém presta atenção: o caminho – virando o garoto para as pegadas que fez percorrendo pelo trigal – se faz ao caminhar. Vai! Só duas coisas podem barrar a sua busca: o medo e a preguiça. Não pare! – já gritando. Senão nos veremos de novo!
ENCONTRO COM A PRESSA

Avista uma árvore - uma ilha em meio a um descampado. Na sua sombra está sentada uma mulher de cabelos mal amarrados, usa uma camisa de um verde apagado com mangas maiores que o exigido pelos braços. Fuma um cigarro. Envolta de seu pescoço há uma corda que está amarrada no galho que faz a sombra. Sua muito, funga o nariz.
- Nem fale..., logo se vê que não sabe por onde anda. O que procura? – se expressa muito rápido entre tragadas profundas.
- Impressão sua. Não estou perdido. Quero salvar minha planta. Vou até o velho Raro.
- Ah! Nem perca tempo com aquele dorminhoco. Não tem nem curiosidade. Não quis nem conhecer o que vem depois daqui. – exibindo a corda depois de tira-la do pescoço. Está condenado à mesmice. Coitado! – colocando de novo a corda. Já eu tenho pressa! Quero ir logo. Chega disso daqui...
O garoto mantém um pé atrás, mas se interessa.
- ... conta-se que ele tem até uma corcunda horrível – e funga o nariz e traga profundo. E mora muito longe... Olha, garoto, nem perca seu tempo com aquele eterno e espaçoso ninguém. Logo ali, depois daquele morro, moram dois gêmeos muito antigos, dizem que passam dos duzentos anos, já. Lá eles sabem a muito tempo do que uma planta precisa. Mas..., se for, vai logo!
Puxa e solta uma fumaça que paira por toda a sombra da árvore. O pequeno sai incomodado.

ENCONTRO COM OS GÊMEOS

Num descampado arenoso o pequeno encontra uma casa, muito suja e velha, com janelas de madeira roída. Se aproxima a passos ressabiados, se escondendo atrás de árvores desfolhadas. Ouvem-se sussurros lá dentro, mas ninguém sai. O pequeno percebe que é observado pela fresta da janela.
- Sai! Sai! – gritos horríveis. Eu sei quem você é! Vai embora! – e bate a janela.
A porta abre. Sai uma mulher, aparência grotesca, desgrenhada. Olha na direção do pequeno e faz um sinal aborrecido com as mãos de “vêm, vêm, entra”. O pequeno fica estático. A mulher se injuria e grita:
- Ô, se quiser entrar a porta tá aberta. Sai daí logo que já tá me cansando. Entre e feche a porta. – vai pra dentro resmungando.
O pequeno, indeciso, só decide entrar quando olha pra sua planta. Por dentro a casa é escura, apesar do sol lá fora, suja e poeirenta. Percebe-se um vulto passar de uma sombra a outra, como um imenso rato assustado.
- Você tá louco! Fecha essa porta, fecha essa porta!
A voz berrante é a mesma da janela, vem de uns olhos esbugalhados perdidos na sombra. É um homem, muito magro, cadavérico, com pouco cabelo escorrendo pela testa. O pequeno fecha a porta.
- Passa o trinco e senta ali, ali no banco. Não! Ali! Ali...! – arfa. O que é isso daí na sua mão? Cuidado com isso, hein! – gagueja, apavorado.
- É minha planta. Vim aqui porque soube sobre vocês: os gêmeos que já passam dos duzentos anos. Preciso que me ensinem, meu cacto está morrendo.
- Ele está doente!?! – sobressalta pra trás.
- Não, nunca.
Uma voz vem do outro cômodo:
- Ei, garoto, vem até aqui!
A senhora está deitada num trapo, fazendo de um cachorro travesseiro. Pelo quarto todo têm utensílios domésticos feitos de improviso imediato, todos muito desorganizados.
- Então é isso... Olhe, largue essa planta num canto, ela deve estar cansada de tanta andança.
O menino se alegra, aquelas palavras tinham sentido e finalmente o estavam ensinando a resolver seu problema.
- Aqui nossa história é longa porque procuramos não nos desgastarmos e sempre nos preocupamos em leva-la com a máxima proteção. Deite-se, - indicando – mas fique atento. Senão você corre riscos. Sua vontade só causou cansaços pra sua planta e pra você, até agora. Mande ela se calar. Vigie-a e vai entender nosso segredo. – e fechou os olhos.
O garoto amontoou umas folhas secas e adormeceu, num canto. Passam-se dois dias.
O pequeno acorda com o cadavérico quase em cima dele, batendo com um galho seco na rachadura da parede, quando percebe que o pequeno acorda salta pra trás com medo:
- Parece que vi um inseto escorregando aí pra trás...
A mulher ainda está deitada, não há mais cachorro, ela está estirada, mas seus olhos estão abertos, olham de um lado pra outro, não emite um pio. O pequeno levanta bocejando, cabelo desgrenhado, roupa amassada e caminha arrastando os pés, até onde estava sua planta. Tinha aberto uma flor. O garoto desperta, corre avisar com um sorriso. Mais dois dias se passa. E o pequeno não se agüenta em seu canto. Vai olhar a planta: está murcha, a flor pendendo. Começa a se preocupar.
- Preciso fazer alguma coisa. Está piorando.
- Ora, pequeno, deite aí vai, fique em silêncio. – e rola pro lado da parede.
O cadavérico entra numa sombra, uma penumbra que parece que sempre o acompanha:
- Ouve, ouve. – ri, neurótico. É melhor deitar. – o pedaço de galho seco parece agora ameaçador. Se está pensando em sair, sua planta pode não agüentar. Ai, ai, ai, quantas pestes a ameaçam lá fora. Deixa que eu molho ela. Shhh! Deita, quietinho! – e sai sussurrando, se arrastando. Vô jogar água nela, vô molhar a terra dela...
O pequeno se deita agarrando os joelhos, seus olhos estão atentos, como da senhora desgrenhada.
Noutro dia: a senhora está deitada na varanda, num canto, virada pra parede, toda encolhida. O pequeno olha pra baixo, riscando a terra, cabisbaixo. Não se vê o cadavérico. Repara num poste, lá longe, nunca o tinha percebido, alguma coisa se mexe lá em cima, parece um pássaro escuro. A curiosidade aumenta. Pisca um brilho refletido lá no topo, surpreende e exalta o garoto. Confere os descuidos dos outros dois e corre, a passos ressabiados, até lá.

ENCONTRO COM O DESEJO

Em cima do poste está agarrado um homem narigudo, cabelos longos, barba, magro, de chapéu e roupas escuras. Brinca, com um espelho, com o reflexo do sol. Sua fala soa com indiferença, mas seu olhar é firme e interessado.
- Que que você tá fazendo aí em cima?
- Eu...? – estranhando a pergunta. – Não sei... Só sei que quero estar aqui. O que faz um pequeno tão pequeno em lugar tão poeirento?
- Estou aprendendo com os gêmeos, tentando salvar meu cacto.
- Então acho melhor procurar outros professores, porque, daqui de onde estou, só o vejo deitado pelos cantos.
- Mas a lição é essa..., tenho de evitar minhas andanças...
- Ora, garoto! Você pensa que encontrou o que quer, mas parou no meio do caminho. Vai! Saia daqui! Continua a sua busca.
- Mas pra onde? Ninguém me diz!
- Ah...., pequeno, esperar que alguém guie a sua conduta é uma pretensão que te barra. Não percebe que sem a sua busca você nem existe? Só quando você reconhece a sua busca e a carrega como uma bússola pro seu caminho é que está livre. Porque, no fundo, você não tem escolha, meu pequeno garoto, você só faz apresentar a encruzilhada: “veja como é cheiroso o caminho da direita, ah! mas é toda de pedregulhos..., veja, por outro lado, como é larga e limpa a estrada da esquerda, mas me parece muito deserta...”. Rá! No fim, quem dita o veredicto de qual caminho seguir é um juiz que você nem imagina de onde vêm. Reconheça esse juiz, esse que dita sua busca e siga-o. Vai! Anda!
O pequeno volta, então. Quer pegar sua planta para continuar o caminho. Entra nas pontas dos pés. Não vê ninguém, pega sua planta, cuidadoso com a silenciosidade. Leva um susto, de repente, a senhora aparece de pé no batente da porta de um dos cômodos, só metade de seu corpo se vê, ela fica olhando, amorfa, boca pendendo, olho dopado. Milésimos depois aparece o cadavérico de um a sombra, gritando, com um galho seco empunhado:
- Sai! Sai! Vai embora! O garoto se assusta e sai correndo, rindo, rindo, sente que o homem jogou o galho que pegou na porta, que já ficou pra trás.

ENCONTRO COM O VELHO RARO

Já está muito próximo de anoitecer. Em outro descampado o pequeno percebe uma casa, esta parece mais viva. Sentado, tranqüilo e desatento, na varanda, um homem muito baixo, cabelos longos, com feições élficas, corta com uma lâmina o fumo-de-corda. O pequeno se aproxima, muito seguro, com as palavras já escolhidas.
- Você pode me ajudar. – a afirmação soa como uma exigência e não um pedido. Enquanto continuar a falar o homem baixo vai ficar olhando firmemente, estático, analisando os movimentos do pequeno. Minha planta, precisa de ajuda, me aconselharam vir até aqui e...
O baixo homem interrompe a explicação, apontando a porta de entrada. O pequeno olha e faz um balanço de cabeça que diz compreender. Entra. O homem volta a picar o fumo. Velho Raro está deitado de costas, olhos fechados, em cima de uma mesa. O pequeno chega muito silenciosamente e se senta num canto, olha a sua volta, um ambiente limpo de qualquer objeto, apenas - iluminando o cômodo - duas velas cintilam. Suspira e baixa a cabeça, resignado a esperar. Depois de alguns segundos, os olhos do velho se abrem, ele não mexe mais do que a cabeça para observar o garoto, que tenta cochilar, volta e fecha os olhos.
Quando a noite já cai por inteiro, lá fora o homem baixo toca uma flauta doce, o garoto está cochilando, o velho fala, ainda com os olhos fechados:
- Então, tem um problema com a sua planta?
O pequeno desperta, desconsertado:
- Tenho sim... Quero que me ensine a torná-la imortal. – pára a exigência, assustado com o olhar (doce e resignado) do velho. Quero torná-la tão forte contra a morte que nada vai machucá-la, pra tudo vai estar preparada.
O velho solta um sussurro irônico e tenta se levantar, todo o corpo é um peso, parece não sentir dores, mas move-se muito lentamente.
- A imortalidade não é a máxima garantia de sobrevivência e adaptabilidade, senão a libélula-peixe, um bicho que come aquilo que defeca, seria quem mais se aproximaria desse segredo.
O garoto está atento, esperançoso.
- A coisa é mais singela, mais sutil, pequeno... – se aproxima da janela, faz um sinal irreconhecível.
O de expressões élficas entra. Apaga uma das velas e coloca a outra na mesa, trás uma cadeira - seus gestos são certeiros.
- Senta, garoto. – pede o velho. Preste atenção nisso daqui. – faz um gesto com dois dedos indicando para não tirar os olhos da chama.
A sala quase toda escura, só a pequena luz vinda da vela ilumina a feição dura do pequeno, tentando compreender a lição. A mão do garoto estava fria, percebeu que seu corpo inteiro tremia. A mão procurou a vela acesa. O calor parecia que chegava atrasado, o frio impedia que caminhasse. De repente, abre um sorriso fascinado: ao envesgar viu a chama duplicada, os olhos podiam ver, para sua visão a chama que sempre estivera escondida agora existe, daí o sorriso. O velho, então, se aproxima e fala muito baixo:
- Acreditar com os outros sentidos? Pode tocá-la?
O garoto tenta, afoito.
- Porque existiria um mundo onde apenas a visão acreditaria na existência desta outra chama, garoto? É possível que em cada sentido existam várias realidades acontecendo ao mesmo tempo, e que você acaba por escolher uma destas combinações de realidades. Se sua visão focaliza duas chamas, por que não acreditar numa realidade assim? Será que todos os sentidos teriam que acreditar conjuntamente para que você entre no mundo escolhido?
- Mas como vou enganar meus outros sentidos? A visão é fácil, é só continuar vesgo.
- Mas se o pequeno colocasse uma blusa e não sentisse mais frio, estaria enganando o corpo.
- Engano de quem? A quem engano? Não sou eu quem está com frio?
- O que é o frio sem um corpo para senti-lo, pequeno? O frio não existe sem suas sensações. Seu corpo é quem sofre, daí sabe que deve se aquecer para proteger-se, manter-se vivo. O frio é um aviso do sopro da vida, indicando como mantê-la. Ensinando a todo o momento como permanecer. Você sofre por saber que provavelmente não existiria mais. Morreria. Ora, se é a vida indicando como mantê-la, o que você poderia fazer se não segui-la? Acontece que agente acaba se acostumando com uma sensação de mundo e acabamos por banalizá-las. O frio, por exemplo, se você parasse para percebê-lo logo ficaria claro que você agia instintivamente colocando essa blusa. Nem observar como ele funciona você observava. O que ele é realmente? Ele não existe. Você que o cria. Aí é que ele passa a existir. O vento, sim, existe a par de seu corpo e de sua mente. Você o influencia, mas de forma muito limitada. Como o bater de uma borboleta pode influencia-lo muito mais. Mas..., agora, o frio é só de seu corpo. E é melhor você agir como o frio lhe pede, pois é uma mensagem, ditada pelo vento, pelo ar.
- É. Vixi!
- Aprenda a escutar todos os avisos que lhe são ditados, a todo o momento, e assim aprenderá a permanecer. – e, num sopro, apagou a chama onde os olhos do garoto estavam focados.

AMANHECE

Amanhece sozinho na casa, o pequeno. Sai esfregando os olhos. Nos fundos, encontra o élfico cuidando de um vaso. Percebe seu cacto tomando sol. O homem vai até ele e recolhe algumas sementes da flor e as colocam na terra do vaso que estava preparando. O garoto olha tudo como se não estivesse ali. O velho surge – assusta o pequeno pela aparição repentina – segurando um copo d’água. No vaso, joga cuidadosamente a água, só então se dirige ao pequeno:
- Tome..., - entregando o vaso - a melhor dose de eternidade que você pode oferecer a sua planta.
O garoto recolhe o presente.
- Era isso que estava perguntando..., e ninguém sabia me responder.
O velho só afirmou com um sorriso, o qual o pequeno respondeu. O homem élfico também abriu os dentes dele. E ficaram os três, ali no final da manhã, saboreando a simples resposta como fim da busca do garoto.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Aos 102 anos morre Albert Hofmann


Aldouls Huxley como comenta Manuel da Costa Pinto alertava para o uso de substãncias que alteram nossas percepção para que posssamos alargar as nossas conciências. A sintetização do LSD por Hofmann levou muitas pessoas a este estado, mas também levou muitas outras a adesão de paraísos artificiais, uma busca incessante de prazeres e de alienação. Hoje o LSD é uma droga proibida. E agora mais do que nunca a alienação em relação ao LSD aumentou mais do que quando foi usado exacerbadamente pelos "hippies" da década de 60. Hofmann disse sobre o LSD: "Trata-se de um produto muito especial que atua na consciência, que é, afinal de contas, o que nos distingue dos animais", afirmou o químico, acrescentando que sob os efeitos do LSD, "vemos, ouvimos e sentimos de forma diferente e intensa, mesmo com uma dose ínfima".(retirado da FSP.) A utiliação do LSD para fins de alargamento da consciência e mudança das percepções deveria ser legalizado pela legislação brasileira, para que aqueles que desejam ter este tipo de experiência tenham consciência de que a substância que estão ingerindo é realmente o LSD, pois procurar este tipo de experiência hoje, lava as pessoas a ingerir substâncias que elas não sabem e que pode desta forma desautorizada levar mais jovens a morte como tem acontecido.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u397076.shtml