domingo, 12 de outubro de 2008

Retirado do livro de Allen Ginsberg “Uivo – Kaddish e outros poemas”, publicado pela L&PM, traduzido por Cláudio Willer. O texto aparece aqui sem o formato que aparece no livro por causa da limitação do blog que formata como ele quer. Publiquemos assim mesmo.

Nota:
Salmo Mágico, a Resposta & O Fim registram as visões experimentadas depois de tomar Ayahuasca, uma poção espiritual do Amazonas. A mensagem é: Alargar a área da consciência.
- A. G.

Salmo mágico

Porque o mundo está à beira do abismo e "ninguém sabe o que
virá depois
Oh Fantasma que minha mente persegue de ano para ano desce
do céu para esta carne trêmula
colhe meu olho fugitivo no vasto Raio que não conhece limites –
Inseparável - Mestre
Gigante fora do tempo com todas as suas folhas caindo - Gênio
do Universo - Mágico do Nada onde nuvens vermelhas
aparecem -
Indizível Rei das rodovias que se foram - Ininteligível Cavalo
saltando fora do sepulcro - Poente sobre a grande Cordi-
lheira e inseto – Cupim –
Lamentoso - Riso sem boca, Coração que nunca teve carne para
morrer - Promessa que não foi feita - Consolador, cujo
sangue arde em um milhão de animais feridos
Oh Misericórdia, Destruidor do Mundo, Oh Misericórdia, Cria-
dor das Ilusões Acalentadas, Oh Misericórdia, arrulho ca-
cofônico da boca quente, Vem,
invade meu corpo com o sexo de Deus, sufoca minhas narinas
com a infinita carícia da corrupção,
transfigura-me em vermes viscosos de pura transcendência sem-
sorial, ainda estou vivo,
grasna minha voz com o mais feio que a realidade, um tomate
psíquico falando-Te por milhões de bocas,

Alma minha com miríades de línguas, Monstro ou Anjo, Aman-
te que vem foder-me para sempre - véu branco do Polvo
sem Olhos -
Cu do Universo no qual desapareço - Mão Elástica que falou
com Crane - Música que toca na vitrola dos anos vinda
de outro Milênio - Ouvido dos edifícios de NY
Aquilo em que acredito - que vi - procurei incessantemente na
folha cachorro olho - sempre culpa, falta, - o que me faz
pensar -
Desejo que me criou, Desejo que escondo no meu corpo, Desejo
que todo Homem conhece Morte, Desejo ultrapassando o
mundo Babilônico possível
que faz minha carne sacudir-se em orgasmos do Teu Nome que
não conheço nunca conseguirei nunca dizer -
Dizer à Humanidade para dizer que o grande sino toca um tom
dourado nos balcões de ferro em cada milhão de universos,
eu sou Teu profeta volta para casa para este mundo para gritar
um insuportável Nome pelo odioso sexto dos meus 5 sen-
tidos
que conhece Tua mão em seu falo invisível, coberta pelos bulbos
elétricos da morte -
Paz, Solucionador onde embaralho ilusões, vagina de Boca Mole
que entra no meu cérebro por cima, Pomba da Arca com
um ramo de Morte.

Enlouquece-me, Deus estou pronto para a desintegração da
minha mente, desgraça-me no olho da terra,
ataca meu coração cabeludo come meu caralho Invisível coaxar
do sapo da morte salta em núm matilha de pesados cães
salivando luz,
devora meu cérebro fluxo Uno de interminável consciência, te-
nho medo da tua promessa devo fazer que minha oração
grite no medo -
Desce Oh Luz Criador & Devorador da Humanidade, arrebenta o
mundo na sua loucura de bombas e morticínio,
Vulcões de carne sobre Londres, em Paris uma chuva de olhos
caminhões carregados de corações de anjos para lambuzar
as paredes do Kremlin - a caveira de luz para Nova York -
miríade de pés recobertos de jóias nos terraços de Pequim –
véus de gás elétrico baixando sobre a Índia - cidades de
Bactéria invadindo o cérebro - a Alma escapando para as
ondulantes bocas de borracha do Paraíso -
Este é o Grande Chamado, esta é a Toxina da Guerra Eterna,
este é o grito da Mente assassinada na Nebulosa,
este é o Sino Dourado da Igreja que nunca existiu, este é o Bum
no coração do raio do sol, esta é a trombeta do Verme na
Morte,
Apelo do agarrão castrado sem mãos Doação da semente dou-
rada do futuro pelo terremoto & vulcão do mundo -
Sepulta meus pés sob os Andes, esparrama meus miolos sobre a
Esfinge, hasteia núnha barba e cabelo no Empire State
Building,
cobre minha barriga com mãos de musgo, enche meus ouvidos
com teu clarão, cega-me com arco-íris proféticos
Que eu prove finalmente a merda de Ser, que eu toque Teus Ge-
nitais na palmeira,
que o vasto Raio do Futuro entre pela minha boca para fazer
soar Tua Criação Eternamente Não-nascida, Oh beleza
invisível para meu Século!
que minha oração ultrapasse minha compreensão, que eu depo-
site minha vaidade a Teus pés, que eu não mais tema o
Julgamento de Allen neste mundo
nascido em Newark chegado para a Eternidade em Nova York
chorando novamente no Peru pela definitiva Língua para
salmodiar o Indisível,
que eu ultrapasse o desejo de transcendência e entre nas calmas
águas do universo
que eu cavalgue esta onda, não mais eternamente afogado na
torrente da núnha imaginação
que eu não seja assassinado pela minha própria doida magia, cri-
me este a ser punido nos piedosos cárceres da Morte,
homens entendei minha fala fora de seus próprios corações

turcos, ajudem-me os profetas com a Proclamação,
que os Serafms aclamem Teu Nome, Tu subitamente em uma
imensa Boca do Universo fazendo a carne responder.


1960


A resposta

Deus responde com minha condenação!
esta poesia apagada do lenho ardente
minhas mentiras respondidas pelo verme no meu ouvido
minha visão pela mão que cai sobre meus olhos para co-
bri-los

diante da visão do meu


esqueleto
- meu anseio de ser Deus pela trêmula carne barbada do maxilar
que cobre meu crânio como a pele de um monstro
Estômago vomitando a videira da alma, cadáver no
assoalho de uma cabana de bambu, carne do corpo
rastejando
rumo a seu pesadelo do destino que cresce no
meu cérebro
O barulho do estrondo da criação adorando seu Carrasco, o
salto
dos pássaros para o Infinito, latidos como o
som
do vômito no ar, sapos coaxando Morte nas árvores
eu sou um Serafim e não sei se vou para dentro do Vazio
eu sou um homem e não sei se vou para dentro da Morte –
Cristo Cristo pobre desesperançado
alçado à Cruz entre as Dimensões
para ver o Sempre-Incognoscível!

um som de gongo morto treme por toda a minha carne e um
imenso Ser entra no meu
cérebro vindo do longe que vive para sempre
Nada mais além da Presença poderosa demais para registrar!
a Presença

na Morte, diante da qual estou indefeso
transforma-me de Allen em uma caveira
Velho Caolho dos sonhos dos quais não acordo a não ser morto
mãos puxadas para a escuridão por uma horrenda Mão
- cego contorcer-se do verme, cortado - o arado
é o próprio Deus
Que monstruoso baile da escuridão anterior ao universo
volta para visitar-me como um comando cego!
e possa eu apagar esta consciência, fugir de volta
para o amor de Nova York e o farei
Pobre lamentável Cristo com medo da predita Cruz,
. Imortal ­
Fugir, mas não para sempre - a Presença virá, a hora
chegará, uma estranha verdade penetra o universo, a morte
mostra seu Ser como &fites
e eu me desesperarei por ter esquecido! esquecido! a volta
ao meu destino,
para morrer disso ­-
O que é sagrado quando a Coisa é todo o universo?
rasteja em cada alma como um órgão de vampiro
cantando
atrás das nuvens iluminadas pela lua­ -
pobre criatura vem agachada
sob as estrelas barbudas num campo negro no Peru
para depositar minha carga - morrerei de horror de
morrer!
Nem diques nem pirâmides, mas a morte, e devemos nos prepa-­
rar para essa
nudez, pobres ossos sugados até ressecarem por Sua
longa boca
de formigas e vento, & nossas almas assassinadas
para preparar Sua Perfeição!
O momento chegou, Ele fez Sua vontade ser revelada para
sempre
e nenhuma fuga para o velho Ser além das estrelas não irá
chegar ao mesmo escuro porto oscilante
de insuportável música
Nenhum refúgio no Eu, que está em chamas
nem no Mundo que também é Seu para ser
bombardeado & Devorado!
Reconhece Seu poder! Larga
minhas mãos - minha atemorizada caveira
- pois eu havia escolhido a auto-estima ­
meus olhos, meu nariz, minha cara, meu caralho,
minha alma - e agora
o Destiuidor sem cara!
Um bilhão de portas para o mesmo novo ser!
O universo vira-se pelo avesso para devorar-me!
e a poderosa irrupção de. música sai para fora da porta desu­-
mana –

1960

O fim

Eu sou Eu, velho Pai Olho de Peixe que procriou o oceano, o
verme no meu próprio ouvido, a serpente enrolada na
árvore,
Sento-me na mente do carvalho e me oculto na rosa, sei se al­-
guém desperta, ninguém a não ser minha morte,
vinde a mim corpos, vinde a mim profecias, vinde a mim agou­
ros, vinde espíritos e visões,
Eu recebo tudo, morro de câncer, entro no caixão para sempre,
fecho meu olho, desapareço,
caio sobre mim mesmo na neve de inverno, rolo numa grande
roda pela chuva, observo a convulsão dos que fodem,
carros guincham, fúrias gemem sua música de fagote, memória
apagando-se no cérebro, homens imitando eles,
gozo no ventre de uma mulher, a juventude estendendo seus
seios e coxas para o sexo, o caralho pulando para dentro
derramando sua semente nos lábios de Yin, feras dançam no
Sião, cantam ópera em Moscou,
meus garotos excitados ao crepúsculo nas varandas, chego a
Nova York, toco meu jazz num Clavicêmbalo de Chicago,
Amor que me engendrou retorno a minha Origem sem nada per­-
der, flutuo sobre o vomitório.
empolgado por minha imortalidade, empolgado por essa infini­-
tude na qual aposto e a qual enterro,
vem Poeta, cala-te, come minha palavra e prova minha boca no
teu ouvido.

NY, 1960

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