sexta-feira, 9 de maio de 2008

Lia de Itamaracá não conta no PIB

O Produto Interno Bruto brasileiro cresceu mais de 5% em 2007 e este foi motivo para celebrações vindas de todos os lados. Tal avanço econômico, somado a números bastante positivos no mercado de trabalho e investimentos em capital fixo, que aumentam a capacidade produtiva do país, também suscita certa onda de comemorações entusiasmadas ou comedidas. Contudo, o discurso comum só se torna possível porque enxerga crescimento econômico como equivalente ao aumento da riqueza da sociedade.

De fato, os números da economia brasileira para o ano passado aparentam ser encantadores. Entretanto, encantadora de verdade foi a presença de Lia de Itamaracá nas dependências do Sesc Pompéia, em São Paulo, um dia após a divulgação dos números da economia brasileira pelo IBGE. Uma mulher enorme, com cabelos longos, trançados orgulhosamente em estilo afro. Nossa mama África, nobremente vestida sob um longo vestido colorido; rainha majestosa, senhora de sua raça, um pouco - muito de seu povo e de sua cultura.

Nessa noite, ninguém parecia estar muito interessado com o “fantástico” resultado do PIB. Apenas esperavam Lia ocupar o palco, entoando as cirandas repletas da alma de sua gente. Entrou com andar calmo, nem muito lento, mas também sem arrastar chinela. Deu seu primeiro boa noite, com sorriso do tamanho de sua arte. Sendo a primeira resposta do público, que a essa altura já havia se levantado e tomado o salão da choperia, sonoramente tímida, ela repetiu a saudação alongando-a e elevando o volume da voz: boooa noooite, São Paulo! Dessa vez, a platéia correspondeu à altura e os primeiros batuques de ciranda puderam começar.

A força da música de Lia é inquestionável. O que se tem colocado cada vez mais em questão é validade da utilização do PIB como método de avaliação de progresso social ou baliza para se chegar à soma das riquezas geradas no país durante todo o ano. Aliás, estas definições freqüentemente utilizadas por governos, empresários, banqueiros etc., não são neutras. Deixam ocultas, sob um véu de vibração sóbria, típica dos economistas, as anomalias causadas por um tipo de crescimento que não respeita os limites dos recursos naturais, é agressivo à diversidade e acentua grandemente as exclusões sociais. De acordo com relatório da Organização do Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o PIB é um ícone de controvérsia estatística, porque “mede renda, mas não igualdade, mede crescimento, mas não destruição e ignora valores tais como coesão social e o meio ambiente”

Ao tomar o PIB como paradigma, ficamos órfãos de indicadores que apontem os caminhos para evitar a autodestruição ou que mostrem o prazer, a satisfação e o bem estar

Em outras palavras, pode-se dizer que o Produto Interno Bruto capta as dimensões típicas das relações mercantis, que são, portanto, passíveis de monetarização. O valor que pode ser gerado ao se proporcionar à sociedade amplo acesso a bens culturais como o espetáculo de Lia de Itamaracá, não pode ser calculado para efeito do PIB, a não ser pelos ingressos vendidos. [...]

Marcos Aurélio Souza (30/04/2008)

retirado do site do Le Monde - http://diplo.uol.com.br/2008-04,a2374


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