sábado, 10 de outubro de 2020

 


O besouro do planeta romã

 

            A romã tem uma teiínha de arãnha em sua coroa de bufona. Ali passeava um minibesourinho cor de tesouro. A romã amarela com as bochechas rosadas salpintadas. Ia explodir de tanta vida, por isso era até planeta pra outras vidas... o planeta romã, onde viviam os romanáticos, nunca conheceram a dor-de-garganta.

            Um dia, voando do céu pousaram uns bicudinhos. Trilinciscaram arrunhando furo no cheeião da romã. Piavam agudos afinadinhos fininhos num assobio-bio-bio tremilicadinhos drilho-drilho, pareciam piar "dá romã, dá romã, drrr, dá romã". E o romã se abria todo vaginal lábio, embicavam. Caiu que de repente aquele besourito, tão esplêndido qu'ouvesse daquele formato serzito-vivo com cabeça, casco, patinhas, antenas, movimento, tudo, e ali, quase um quase-nadinha vivendo seu cotidiano, carregando seu minizinho-coraçãozeto pelo seu cotidiano, como todo vivo, como todos nós. Pois, foi esse besouretito que desequilibaralhado caiu-se. Láá em baixo......

            .......o cair foi longo susto incompreensível e repentino, inédito. Biz-bizou o inseteco enroladinhas no arbismo em velozqueda, afofando o baque do impacto com o duro que o chão tem n'uma brisinha de instante antes com a abertura - sagazmente - das asinhas cor di'ouro-cobre rubi fosco, arredondadasinas, abridas, pousou suave.

            Mas, assustado.

            Aflito que olhou pra cima a distância altássima a romã lá em cima. Aberta, bucho pra fora as sementes de películas transparentes, algumas tinham caído a sua volta. Deu uma volta com o olhar e sentiu com as anteninhas o espaço vasto ao redor. O que seria tudo aquilo?

            ...a partir daqui é mais tensa nossa história, não sei se escondo parte dela ou ela inteira. Talvez melhor nem continuar nesses assuntos, talvez melhor te ocultar a respeito daquela visão imensa que o besourito teve... e da luz... tinha uma luz, atrás daquele imenso ser que pairava no ar, melhor não te amedrontar com o que aconteceu... Vou contar só um tantinho...

            O mundo se revelou imensamente misterioso e no alto da cabeça do besouro batia uma alada, asas ex-lagarta, largas amarelas de textura fina como folha-de-cetim, amareláá, amarééla, amá!

            Que medo.

             Besourinho se encolheu, era quase cisco, ou isso cisco, naquele medonhomedo que se assombrava porali... e saiu, a borboletona pra outros baixos céus... flapt, ufa daqui, flapt, ufa de lá, porque os dois um estava assustado c'outro: num desencontroutro bagunçante. Demorou o a si do desromãnizado besoureco despencado. Quando já, patinhas parando de tremer, dedebaixo das folhonas sucolentas di'uma berdoega que havia se escondido num instante, re-reparou lá luz, parou hipnóiatizado...

            ...quanta paz violenta os ultravioletas lampadiavam nos olhos, zzzureta. Como abduzido, zizou duro asando na fixidez que a luz propunha sem possuir querer só ela luz. Foi arredondeninhando o calor, do brilho, mais brilho, o calor... que força intencinédita pro bichinho! Sentia o desaparecer. O todo-luz? Mais que luz? Vibrava em grau rachável, tremelecou: o casco duro do besoureto deu toc curto no vidro da lâmpada? E de altura que voou tombou, virado... agoniado, ou se divertia?

            Uma sombra imensa no contra-luz tapou-lhe o sol, nem reparou nisso naquela. Já ficava sufocado de umbigo pra cima casco pra baixo, as patinhas acariciarranhando o arimpalpável céu acima, enquanto fazia inúteis voltinhas, que de começo parecia-lhembravam uma desengondançazinha e que agora estavam mais para sufoco mesmo quase divertido. E o que d'ond'veio aquela montanha - com cabeça olhante e orelhas? - que fazia sobra de sombra e mais sombra pela geogramafia d'ao redor? Gigante mitoilógico, descrível pelo bizbichinho se ele notasse, mas não notava (mas, vai notar, calma).

            O que notou arrepiado, tentando desespero, foi uma minhoca cavando bem. Escorregava arejando a terra logo ali e vinha britando lisa e rápida em direção dele. O quê!?! Dele. Dele? Sim, dele dele.

            A minhoca olhou co'seus'olhos cegos e pulsou seus dez corações - que carregava em seu cotidiano, como todos nós unicárdios. E, com tanto coração, compriiiemdia o besourico em ponta-cabeça no seu dificuldadestino, e sentia muito mais pra todo lado e foi o que fez ela escorregar cavando pr'um lado dos lados, tranqüila após uma assembléia interna da dezena cardíaca que morava junto ao alongado-esticaaado peito fino. A mesma paz tinha nos sentimentos do bizzzouro tons d'ouro. Tudo já vem explicado nestes territórios do mundo e da vida porque se sente e quase é só, se o mundo deve ir pra lá ou pra colá pro besouro isso não lhe cabia, nem praqueles fungos esparramados ali do lado, cabia o mundo e a vida como eram, não tiravam opinião. Daí o dançar naquilo que seria sua ponta-cabeça-posição fatal, indesvirável se não fossem aqueles dedões... dedões que cutucavam pra desvirá-lo, de leve pra não machucar. Cutu... cutu... cutu... Pondo intenção essa às suas mãos uma meninalinha magrelinha de dedinho-dedões, cabelões, enroladões, também o nariz e bicudinha. Murmumurava e sussussurrava com ela mesma questões além-óbvias, além-ela, algo sobre a morte e detalhes supremos transparentes, trilhava em etecéteras e tais, pairava anuviada. "Jussara", nem ouviu a mãe dando tchau, "já volto!".

            E quem liga pra um inseto só assim? Vai que alguém, melhor seguir pro desfecho do real que passou da história tão acontecida. E o que se já se passou é real?

            Sente: numa solavanrancada, ajudada, se esticou contorcionista e se desvirou, saiu que veloz dali escorregando às seis pernazinhas aflitas no piso liso cor vermelho-terra. Ia corria na direção da sombra d'uma raiz... mirou pra cima e mijou pra baixo, era uma árvore encarável, de tronco durão manchado nas melaninas do casco elegante, no alto os galhos se enredavam nas folhas da romãzeira, lembrou o besouro sua época de ouro... talvez sentisse saudades – essa vontade que cai num buraco e se machuca com o vazio que topa – talvez encontrasse outro fruto tão cheio de vidasplendor como sua romã terra natal, se caminhasse...

            ...valia a pena, a asa, o casco exausto: o vôo. Deu pra chegar até quase a metade nesse impulso repentido do resto que tinha (e se foi) de foco, calma e força - onde é que exista um reservatório dessas imanações invisíveis fundamentais, quase vazio estava. Tinha de respirarvorecentrar antes, um pouco.

            Ainda ali, viando o ar, deixando as energias enigmaticamente auto recriarem-se – como eternamente – pro corpo continuar seu exercício de gastá-las. Ali, naquela típica renigmatiquenergização percebeu o pássaro pescossudo, albino, que lh'olhava como encara, mira, olhos vermelhos glaciais bisonhas glândulas, de cima de um muro.

             Viu – do meio do tronco – ainda... viu, do verbo sentir, a menina ainda voltar procurando e achando um outro besouro dêdebaixo alá do tijolo velho. Achava e se enganava qu'era o mesmo bicho ou servia-lhe mexer com idêntico apenas só?

            Mexeu foi às asadas o pássarossudo, decima do muro, chiou ronrouco parecendo engasgado, mas era assim mesmo o soturno: penas meias esfrangalhadas alvas-encardidas, uns patões de pé mais estranhos. No tronco pousou atravessando, abordante, o caminho do bizzouro, sem deixar brechas bicou seco.

            T'um.

            Dois.

            Em cima. Dentro.

            A primeira rasgou o peito e umas patas, a segunda pregô-o moído no galho.

            T'rês.

            Na terceira mastigava-o na ponta do bico.

            Ali ameaçou pouca esfacelada resistência que logo desistiu sem gássss vital... Acolheu... entregou... viu a vida que a morte lhe trazia e expirou... acalmado.

            E o passarego, levemente mais pesado, alçou vôuô desnivelado, para fora de nosso cenário. E lá.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

chuva
o seco
se cura

Como se cura-se?



É instinto de todos nós essa feitiçaria de nós para nós mesmos? É toque, é passe, é reiki, johrei, do-in, massagem, é toque? Carinho é magia antiga. A gente cuida da gente com nossas mãos.
Instintivo, embalei com a mão direita o dedão doído da esquerda, a unha. Ante-ontem fechei a porta do carro com meu dedo junto, o polegar esquerdo, amassado. Aquele choque da dor subindo pelas mãos. Tirei o dedão dali, em centésimos de segundos verifiquei se não era muito grave, a unha, e senti aquele latejamento. Cobri com a outra mão, acariciando, como todo ser humano faz, se bate coloca ali a mão, só o toque suave, o toque terapêutico que desde sempre é uso eterno.
O choque faz desacelerar. Olhar em volta, parar, respirar, pedir calma pra mim mesmo de tanta correria assim na vida, que desequilibra, desconcentra tanto que faz bater uma porta pesada daquelas na própria mão. O mundo volta a ter cor, o passo devagar, calma, coloca a mochila ali, a outra coisa lá, fecha com cuidado o portão, dá tchau pro cachorro, senta, arruma o cinto, as chaves, liga o carro, olha pros lados, sai, no ritmo cadenciado, mansinho.
Percebi, ali (ressentindo tudo, pelo caminho sendo caminho e não um empecilho entre um lugar e outro lugar) percebi que por algum motivo a gente sente a certeza que a dor de um dedão amassado vai passar. Aquele dedão ali doendo, em breve, vai parar de latejar e logo parar de doer, daqui um dia ou dois, nenhum resquício fica, às vezes um roxo vem contar história, mas nesse caso nem roxo vai vir ficar pelo que sinto aqui no instinto.
Mas, o que faz com que a dor passe?
Estão me entendendo?
Qual, ou como é esse sistema que faz com que, velozmente, um dedão doído se inicie no processo de diminuição e cessão desta dor? Quem são os agentes, as microforças, o exército transparente que vem correndo e fabrica o fim da dor, que reorganiza e desmonta a chama da dor? Tão rápidos, imediatos em começar a trabalhar ali onde está a dor. É eles (esses agentes) ou elas (essas microforças orgânico-energéticas) chegando em bando, em horda, que causam esse latejar? Correndo, que ao chegarem ao local onde ocorreu o impacto, no dedão, lateja? É isso esse pulsar pós-impacto?
Esse pulsar que, sinto, está ali agindo curando. Mas, de que maneira? Como funciona isso?
Seria uma descarga química de pacotes químicos armazenados em alguns cantos de dentro da gente que, quando acontece a dor, se soltam e escorregam até ali onde está a dor? Será que essas químicas não trazem consigo, fluindo, uma horda e microrganismos curadores, nano-xamãs, que imediatos fazem, sagazes, uma reforma no que fora estilhaçado?
Se é assim, esses nanos-curadores dão um jeito em qualquer pedaço de corpo machucado? Sabem de pronto (velozes / antes de tudo / detém previamente) o conhecimento certo de toda cura? Quem foi que ensinou pra eles tanto? Onde, neles, fica esse conhecimento? Como o corpo se cura-se? Nele o que dói, nele o que cura. Essas coisas querem que eu viva? Ou é a vida delas mesmas que querem vivas, porque eu também sou elas, sou com elas um? Um vários... com elas... e mais quem mesmo?
Vários vários que formam, assim, um noutro, um um?
Ou seriam espíritos guardiões sutis que estão aqui caminhando do meu lado na vida que, vendo eu me machucar, rapidamente passam seus lenços de brilho invisível no lugar e o doído vai indo embora, vai devolvendo a saúde que é minha? E, daí, continuamos a caminhar, todos assobiando música aliviada ali vivendo.
Ou é o tal tempo, quando naqueles momentos que – dizem –  só ele, curando? O tempo sendo, finalmente, um pouco concreto quando agindo na carne, criando seu corpo, lateja?
Aqui, apertando a unha, toda dor já se foi dali. Será que essas forças fazem latejar em qualquer parte de mim se precisar? Estão agora, com todas suas esplêndidas sagacidades a respeito dos caminhos para expiação da dor, atuando no meu peito, por exemplo?
Aos poucos, o peito vem parando de doer, demorando no latejar. Mas, essa não é só dor de órgão, não é como a dor de um dedão.
 Por mais que é gesto universal descrever a angústia esfregando a palma da mão pesadamente na altura alta do peito pegando um pouco do pescoço, assim esfregando, como um carinho forte. Esse, um tipo de toque terapêutico arquetípico, mostra que os sentimentos tem lugar pra se encontrar no corpo, de alguma maneira misteriosa.  Alguém aí, ou alguns, ou algo aí, está curando esse sentimento/peito?
Esse dedão que já nada dói mais, e belisca, se dobra, aperta, faz jóias, e que doía imensamente, mas que já sabia que - depois de um tempo - se curaria, me faz lembrar que toda dor, mesmo imensa e insuportável, caminha pro embora daqui. Que a dor não é de ficar, não é dela isso. O estilo dela é se ir, então que vá tranquila daqui, depois destes latejamentos gostosos das curas.
E é depois disso que alguns olhos brilhantes voltam a ser visíveis, aprendemos pela calma.


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Não sou mais um guerreiro
quero brincar
fazer gestos vindos de mim
acordar bem cedo, ver o céu e voltar a dormir despreocupado
não sou mais um guerreiro
acompanho uma criança
me deixe no campo solto
pr'eu correr para qualquer lado
caçando encantamentos gigantes
nas raízes das plantas antigas
me deixe ali vendo os risos das árvores
sou daquela criança
abandonei minhas lanças, os ferros afiados,
as estratégias táticas pré-arquitetadas,
dou no máximo uns tapas desengonçados
no borrachudo que me pica o cotovelo
meu escudo, não quero mais erguê-lo
não sou mais um guerreiro
sou mais um caseiro, do mundo inteiro
e da criança que está comigo
vou brigar com quem?
aprendemos só quando aprendemos
e eu mesmo nem aprendi
baixo minhas armas
preciso estar leve pra brincar
deixo elas ali encostadas no canto
quero só voltar a sentir
no ponto central, equilibrar os opostos de dentro de mim
ouvir, inflar de ar, acalmar os gestos,
as lanças, as línguas, as mãos
deixar comigo eu mesmo
descarregar os apêndices
e o que me é alcançável à mão, colher
agora, pois o que está depois não está à mão
quero dividir com os mosquitos o debaixo do sol
não interromper o caminho das formigas
nem com elas quero brigar
(entre tantas possibilidades de guerrear)
tenho preferido o intervalo entre os dois tempos
gosto agora de dizer tranquilo
sem treta com as palavras
como sai, sem pressa nem artimanhas
tudo caminha pra um ponto completo
pingado tão simples
aconchego quando meus rumos cessam de procurar
e de repente, sem brigas, encontra
nos reanima
não sou mais
não toco cornetas, tambores
no máximo meu charango baixinho em casa
sou mais um sumido entre tantos sumidos
que habitam um pouco do mundo imenso
meu peito se amolece, minha coluna se endurece
não em armadura, em travesseiro
se ele chora, rasgo o mundo e resolvo
não estou para disputa, mas para zelo
aconchego
tenho saudade imensas de um dia longe
que nunca tinha sentido
ergo um menino na altura de uma fruta

e rio feliz, temos tanto tempo juntos...

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A infância sempre esteve aí.
Tudo tem infância. A noite tem infância... Assim como tudo tem velhice.
Não é um privilégio humano. Ou animal.
Nem uma situação que se passa e não volta.
A infância é o bem cedinho de tudo.
Está sempre, é uma maneira de manifestação do mundo.
Qual é a infância da palavra?
Quando ela é recém saída da não-existência e se assombra com  que encontra e tenta dizer tudo de uma vez? Ela é aberta.
A palavra na sua infância – ainda nem na boca – quer dizer sobre tudo, que na sua intensa abertura desafetada de traumas-regras-paradigmas-intensões, sente.
A palavra na sua infância diria quase junto com os sentidos.
Qual a infância dos sentidos?
Não são momentos que se passaram. Estão sempre aí, nem vão nem retornam. A infância está, agora. Acontecendo. Sempre. Inaugural e inédita.
A infância da grama, do poder, da tristeza, da noite, da alegria, da manhã, do instante, do que não-é e do que é.
Que eterno a infância de um átomo!
Como é a infância de um desejo? De um que vem em vão. Vêm e vão.
Pra entender o mundo, tem a infância do pensamento, é ali que se conecta bem próxima com o mundo, é ali, ah lá, é ali, estará sempre ali.
E se olhar no fundo de dentro dos olhos profundos de qualquer bebê, que seja o bebê da grama, do pedido, de uma confissão, do metal, do choro, do dinossauro, da ideia, qual seja... vai ver que a velhice não vem depois, que acontecem ao mesmo tempo, na mesma manifestação, neste beijo inseguro.
Tudo (você-nós) vive a infância da velhice, sustenta a velhice da infância, é velho e infantil.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

- Chave de fenda!
Passa um tempo... reage um:
- Hm?
Passa outro tempo...
- Tô procurando a chave de fenda.
- Ixi, não sei. Eu vi ela por aí.
- Por aí onde?
- Por aí em cima, ou lá atrás. Ixi, não lembro.
- Ah-rá! - fuçando - Achei a paradinha lá, que tava procurando ontem.
Outro tempo...
- Que paradinha?
- Ah... não é.
E ia a tarde.
   À la gatuno samurai, volátil na noitinha do ônibus, o bocejo veio nela, passeou em cinco bocas e fugiu pela janela.