quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Como se cura-se?



É instinto de todos nós essa feitiçaria de nós para nós mesmos? É toque, é passe, é reiki, johrei, do-in, massagem, é toque? Carinho é magia antiga. A gente cuida da gente com nossas mãos.
Instintivo, embalei com a mão direita o dedão doído da esquerda, a unha. Ante-ontem fechei a porta do carro com meu dedo junto, o polegar esquerdo, amassado. Aquele choque da dor subindo pelas mãos. Tirei o dedão dali, em centésimos de segundos verifiquei se não era muito grave, a unha, e senti aquele latejamento. Cobri com a outra mão, acariciando, como todo ser humano faz, se bate coloca ali a mão, só o toque suave, o toque terapêutico que desde sempre é uso eterno.
O choque faz desacelerar. Olhar em volta, parar, respirar, pedir calma pra mim mesmo de tanta correria assim na vida, que desequilibra, desconcentra tanto que faz bater uma porta pesada daquelas na própria mão. O mundo volta a ter cor, o passo devagar, calma, coloca a mochila ali, a outra coisa lá, fecha com cuidado o portão, dá tchau pro cachorro, senta, arruma o cinto, as chaves, liga o carro, olha pros lados, sai, no ritmo cadenciado, mansinho.
Percebi, ali (ressentindo tudo, pelo caminho sendo caminho e não um empecilho entre um lugar e outro lugar) percebi que por algum motivo a gente sente a certeza que a dor de um dedão amassado vai passar. Aquele dedão ali doendo, em breve, vai parar de latejar e logo parar de doer, daqui um dia ou dois, nenhum resquício fica, às vezes um roxo vem contar história, mas nesse caso nem roxo vai vir ficar pelo que sinto aqui no instinto.
Mas, o que faz com que a dor passe?
Estão me entendendo?
Qual, ou como é esse sistema que faz com que, velozmente, um dedão doído se inicie no processo de diminuição e cessão desta dor? Quem são os agentes, as microforças, o exército transparente que vem correndo e fabrica o fim da dor, que reorganiza e desmonta a chama da dor? Tão rápidos, imediatos em começar a trabalhar ali onde está a dor. É eles (esses agentes) ou elas (essas microforças orgânico-energéticas) chegando em bando, em horda, que causam esse latejar? Correndo, que ao chegarem ao local onde ocorreu o impacto, no dedão, lateja? É isso esse pulsar pós-impacto?
Esse pulsar que, sinto, está ali agindo curando. Mas, de que maneira? Como funciona isso?
Seria uma descarga química de pacotes químicos armazenados em alguns cantos de dentro da gente que, quando acontece a dor, se soltam e escorregam até ali onde está a dor? Será que essas químicas não trazem consigo, fluindo, uma horda e microrganismos curadores, nano-xamãs, que imediatos fazem, sagazes, uma reforma no que fora estilhaçado?
Se é assim, esses nanos-curadores dão um jeito em qualquer pedaço de corpo machucado? Sabem de pronto (velozes / antes de tudo / detém previamente) o conhecimento certo de toda cura? Quem foi que ensinou pra eles tanto? Onde, neles, fica esse conhecimento? Como o corpo se cura-se? Nele o que dói, nele o que cura. Essas coisas querem que eu viva? Ou é a vida delas mesmas que querem vivas, porque eu também sou elas, sou com elas um? Um vários... com elas... e mais quem mesmo?
Vários vários que formam, assim, um noutro, um um?
Ou seriam espíritos guardiões sutis que estão aqui caminhando do meu lado na vida que, vendo eu me machucar, rapidamente passam seus lenços de brilho invisível no lugar e o doído vai indo embora, vai devolvendo a saúde que é minha? E, daí, continuamos a caminhar, todos assobiando música aliviada ali vivendo.
Ou é o tal tempo, quando naqueles momentos que – dizem –  só ele, curando? O tempo sendo, finalmente, um pouco concreto quando agindo na carne, criando seu corpo, lateja?
Aqui, apertando a unha, toda dor já se foi dali. Será que essas forças fazem latejar em qualquer parte de mim se precisar? Estão agora, com todas suas esplêndidas sagacidades a respeito dos caminhos para expiação da dor, atuando no meu peito, por exemplo?
Aos poucos, o peito vem parando de doer, demorando no latejar. Mas, essa não é só dor de órgão, não é como a dor de um dedão.
 Por mais que é gesto universal descrever a angústia esfregando a palma da mão pesadamente na altura alta do peito pegando um pouco do pescoço, assim esfregando, como um carinho forte. Esse, um tipo de toque terapêutico arquetípico, mostra que os sentimentos tem lugar pra se encontrar no corpo, de alguma maneira misteriosa.  Alguém aí, ou alguns, ou algo aí, está curando esse sentimento/peito?
Esse dedão que já nada dói mais, e belisca, se dobra, aperta, faz jóias, e que doía imensamente, mas que já sabia que - depois de um tempo - se curaria, me faz lembrar que toda dor, mesmo imensa e insuportável, caminha pro embora daqui. Que a dor não é de ficar, não é dela isso. O estilo dela é se ir, então que vá tranquila daqui, depois destes latejamentos gostosos das curas.
E é depois disso que alguns olhos brilhantes voltam a ser visíveis, aprendemos pela calma.


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